terça-feira, 11 de março de 2008

0228) O Grito de Munch (13.12.2003)




Os leitores devem conhecer, mesmo de relance, o famoso quadro “O grito”, de Edward Munch. Para quem não está ligando o nome à “pessoa”, é aquela pintura, em cores violentas e borradas, onde aparece em primeiro plano a silhueta alongada de uma pessoa calva, não se sabe se homem ou mulher, vestida de preto, com as mãos tapando as orelhas e a boca alongada num uivo silencioso que quase chega a incomodar nossos tímpanos. Ela está numa ponte que corta diagonalmente o quadro; na extremidade oposta vêem-se dois vultos, que podem ser dois meros transeuntes, mas que para mentes paranóicas como a minha assumem uma presença ominosa, ameaçadora. Por trás disto tudo, um céu de violentos borrões avermelhados. Depressivo, angustiado, com uma vida cheia de tragédias, Munch vivia num permanente tumulto mental, e em seus quadros temos um vislumbre do mundo como ele o enxergava.

Agora, astrônomos da Texas State University, depois de cuidadosas pesquisas, anunciam que o céu vermelho pintado por Munch era vermelho de fato. O “Grito” é de 1893 (na verdade, há vários quadros, pois Munch, como muitos outros artistas, produzia mais de uma versão da mesma pintura). O prof. Donald Olson lembra que de novembro de 1883 a fevereiro de 1884, os céus da Europa ficaram cobertos pela cinza vulcânica da erupção do Krakatoa, onde hoje é a Indonésia, inclusive em Oslo (Noruega), onde Munch pintou o seu quadro. Jornais da época mencionam os crepúsculos avermelhados devido à cinza vulcânica no ar. Os astrônomos afirmam ter localizado a ponte que aparece no quadro, e que o ponto de vista assumido pelo pintor está voltado exatamente para sudoeste, ou seja, a direção exata da Indonésia.

Existem dois tipos de pessoas no mundo (sei disso porque pertenço a ambos): as que acham que tudo que é atribuído à imaginação tem uma base factual (como o Prof. Olson e seus colaboradores), e as que acham que todos os fatos que observamos são contaminados pelo tumulto de idéias e emoções que borbulha o tempo inteiro em nossa mente (como era sem dúvida o caso de Edward Munch). Este não é o primeiro nem será o último caso de cientistas pragmáticos explicando o “por quê” de determinados aspectos de uma pintura. Já vi teorias provando que o sorriso da Mona Lisa se devia a ela estar grávida, ou que as cores deste ou daquele pintor se deviam ao fato dele beber absinto.

Saber que existia no interior de Minas um vaqueiro chamado Manuelzão, e que Guimarães Rosa o conheceu, deve provocar um suspiro de alívio nesses pesquisadores, que até então se deparavam com a perturbadora hipótese de que Manuelzão não passasse de uma invenção do artista. O mesmo se dá com o céu de Oslo, pintado por Munch. Sabemos agora que o céu era vermelho mesmo, e que Munch não estava inventando. Ou então, vai ver que Deus teve a idéia de um quadro, mas, como não sabe pintar, produziu uma erupção no Krakatoa e levou Munch até a ponte para que ele o pintasse. Deus adora uma manobra complicada.

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