terça-feira, 11 de março de 2008

0203) O realismo mágico (14.11.2003)




(ilustração de Virgil Finlay)

Em debates sobre Literatura já participei de discussões sobre o “Realismo Mágico”, cujos autores mais conhecidos são Gabriel Garcia Márquez, Jorge Luís Borges, Miguel Ángel Astúrias e outros. 

Este nome surgiu na Europa, para classificar uma literatura que subvertia o conceito de Realismo. Para um certo tipo de mentalidade européia (que não vigora apenas na Europa) há dois tipos de literatura: o realismo e o fantástico (ou “fantasia”). Realistas são as obras de Balzac, Tolstoi, Stendhal, Flaubert, etc.; elas descrevem o mundo de acordo com as leis científicas o o bom-senso. O fantástico são obras que descrevem um mundo que não existe: como Alice no País das Maravilhas de Lewis Carroll, Viagens de Gulliver de Swift, ou Micrômegas de Voltaire.

Acontece, porém, que as coisas não são assim tão simples. Numerosas obras misturam aspectos realistas e aspectos fantásticos. Uma característica do fantástico moderno (desde a ficção científica de H. G. Wells até o terror de Stephen King) é a minuciosa e realista reconstituição de um ambiente verdadeiro onde se dá a intrusão de um elemento fantástico isolado, que desequilibra todo aquele contexto.

Críticos como o francês Tzvetan Todorov tentaram re-equilibrar esta situação, propondo o conceito de “maravilhoso” para as histórias explicitamente irreais, enquanto que o “fantástico” seriam aquelas histórias que deixariam o leitor numa permanente suspensão, sem saber se atribuía aos acontecimentos narrados no livro uma explicação realista ou uma explicação sobrenatural, sendo ambas igualmente possíveis. 

O exemplo clássico desse tipo de narrativa é Outra volta do parafuso de Henry James. São aquelas histórias em que os eventos estranhos podem ser atribuídos a uma ilusão ou desequilíbrio mental do protagonista, ou à sua incapacidade de distinguir entre realidade e sonho, fantasia, falsa memória.

O editor norte-americano Lou Aronica comenta assim o Realismo Mágico: 

“Nele, a história emocional é realista, mesmo que os eventos que produzem essas emoções não o sejam.” 

Num livro como Cem Anos de Solidão de Garcia Márquez, que ainda hoje é considerado o protótipo do Realismo Mágico, acontecem inúmeros prodígios. Os personagens ficam abismados, surpresos, maravilhados diante daquilo: mas em momento algum lhes ocorre dizer que aquilo não poderia acontecer. 

Uma mulher sobe levitando aos céus? Um filete de sangue escorre pelas ruas para avisar que um crime foi cometido? Uma epidemia de amnésia mergulha no estupor uma cidade inteira? São prodígios, de fato, mas são aceitos pelos personagens como parte do seu mundo. 

O latino-americano, mesmo quando não crê em nada, é capaz de aceitar tudo, quando se depara com um fato. O mais radical ateu, se avistar Cristo descendo do céu entre uma legião de anjos, vai comentar: “Ih, vai começar a palhaçada do Juízo Final!” Seu conceito de verdade não está pronto e acabado; pode mudar, com o surgimento de uma verdade nova.








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