Neste
24 de agosto, o escritor argentino estaria completando 122 anos. Em datas assim
eu de vez em quando faço um ping-pong de textos do autor, usando suas obras
mais conhecidas. Desta vez, resolvi usar apenas citações de um dos seus livros
da velhice, O Livro de Areia (1975),
que inclui “Utopia de um Homem que está Cansado”, concorrente ao Prêmio Nebula de
Ficção Científica, naquele ano. Cito da tradução de Lígia Morrone Averbuck.
“O número de páginas
deste livro é exatamente infinito. Nenhuma é a primeira; nenhuma, a última. Não
sei por que estão numeradas desse modo arbitrário. Talvez para dar a entender
que os termos de uma série infinita admitem qualquer número.
Depois, como se
pensasse em voz alta:
– Se o espaço é
infinito, estamos em qualquer ponto do espaço. Se o tempo é infinito, estamos
em qualquer ponto do tempo.”
(“O
Livro de Areia”)
“Em meu curioso ontem
– respondi – prevalecia a superstição de que entre cada tarde e cada manhã
ocorrem fatos que é uma vergonha ignorar. O planeta estava povoado de espectros
coletivos, o Canadá, o Brasil, o Congo Suíço e o Mercado Comum.”
(“Utopia
de um Homem que está Cansado”)
“Para ver uma coisa é
preciso compreendê-la. A poltrona pressupõe o corpo humano, suas articulações e
partes; as tesouras, o ato de cortar. Que dizer de uma lâmpada ou de um
veículo? O selvagem não pode perceber a bíblia do missionário; o passageiro do
navio não vê o mesmo cordame que os homens de bordo. Se víssemos realmente o
universo, talvez o entendêssemos”.
(“There
Are More Things”)
“Éramos poucos e ela
estava de costas. Alguém lhe ofereceu uma bebida e ela recusou.
– Sou feminista –
disse. – Não quero arremedar os homens. Desagradam-me seu tabaco e seu álcool.
A frase queria ser
engenhosa e adivinhei que não era a primeira vez que a pronunciava. Soube
depois que a frase não era característica sua, mas o que dizemos nem sempre se
parece conosco.”
(“Ulrica”)
“Salvo nas severas
páginas da história, os fatos memoráveis prescindem de palavras memoráveis. Um
homem a ponto de morrer quer se lembrar de uma gravura entrevista na infância;
os soldados que estão por entrar na batalha falam do barro e do sargento.”
(“O
Outro”)
“Nos anos de minha
juventude – disse o Rei – naveguei em direção ao ocaso. Em uma ilha, vi lebréus
de prata que davam morte a javalis de ouro. Em outra, alimentamo-nos com a
fragrância de maçãs mágicas. Em outra, vi muralhas de fogo. Na mais distante de
todas, um rio abobadado e pendente sulcava o céu e por suas águas iam peixes e
barcos.”
(“O
Espelho e a Máscara”)
“ – E a grande
aventura de meu tempo, as viagens espaciais? – disse eu.
– Já faz séculos que
renunciamos a essas translações, que foram certamente admiráveis. Nunca pudemos
nos evadir de um aqui e um agora.
Com um sorriso
acrescentou:
– Além disso, toda
viagem é espacial. Ir de um planeta a outro é como ir à granja em frente.
Quando o senhor entrou neste quarto, estava realizando uma viagem espacial.
– Assim é –
repliquei. – Também se falava de substâncias químicas e de animais zoológicos.”
(“Utopia
de um Homem que está Cansado”)
“Não há um só lugarejo na província que não
seja idêntico aos outros, até no acreditar-se diferente. As mesmas ruelas de
terra batida, os mesmos becos, as mesmas casas baixas, como para que um homem a
cavalo ganhe mais importância.”
(“A
Noite das Dádivas”)
“Estava ébrio de
vitória. Inundaram-nos sua firmeza e sua fé. Ninguém nem por um segundo pensou
que estivesse louco.”
(“O
Congresso”)
“Sobreveio depois um
longo silêncio.
– Que te deu a
primeira mulher que tiveste? – perguntou-me.
– Tudo – respondi.
– A mim também a vida
me deu tudo. A todos a vida dá tudo, mas a maioria o ignora. Minha voz está
cansada e meus dedos débeis, mas escuta.
Disse a palavra Undr,
que quer dizer maravilha.”
(“Undr”)
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