1
Eu me lembro do tempo (por volta de 1960) em que a gente
morou na Vila dos Motoristas, atrás do Estádio Presidente Vargas. Quando o
Treze jogava à noite, a luz dos refletores clareava a rua inteira e a gente
aproveitava para jogar uma pelada noturna. Meu pai me levava para o jogo e a
gente ficava nas cadeiras cativas, onde ele tinha duas (acho que eram números
58 e 59). Por trás das cadeiras havia uma parede com cobogós onde eu escondia
pedaços de papel amassado dos pacotes de amendoim, e os reencontrava
miraculosamente no jogo seguinte. Uma vez o Treze fez um gol e ao erguer os
braços eu bati com o cotovelo nos óculos de um rapaz meio calvo que estava na
cadeira vizinha, derrubando-os e quebrando. Seu Nilo pediu desculpas e se
ofereceu para pagar, o rapaz disse que não era nada. Anos depois, por volta de
1978, meu pai foi chefe de gabinete do reitor da Universidade Regional do
Nordeste, José Cavalcanti de Figueiredo – o rapaz dos óculos.
2
Eu me lembro da Livraria Universal, que ficava no térreo
do Edifício Palomo, na Maciel Pinheiro: era a loja da direita, de frente para a
calçada. Era uma mistura de papelaria com livraria, meio estreita e apertada,
mas a estante de livros era excelente, tinha todas as novidades da Civilização
Brasileira e da Zahar. Quando eu estudava à noite no Estadual da Prata, um
funcionário da livraria, Clímaco, era meu colega de turma. Ficamos amigos e
quando eu chegava na livraria ele já me fazia um sinal: “Chegou livro de
cinema!” – e me levava direto para os pacotes recém-chegados da Biblioteca
Básica de Cinema, da Civilização; eu tinha todos.
3
Eu me lembro que, estranhamente, havia algumas ruas de
Campina Grande, ruas até bastante centrais, por onde eu nunca andava, e que
continuaram desconhecidas para mim até a idade adulta. Lembro do Palácio do
Bispo, aquele belo casarão onde funcionaram (ou ainda funcionam) secretarias da
Prefeitura. Eu ouvia falar nele desde pequeno mas nunca soube onde era, e
quando o vi pela primeira vez, já com mais de 25 anos, tive um susto em
descobrir que um “palacete” como aquele existia na cidade. Foi o que vim a
chamar depois de “momento philipkdickiano”, uma súbita irrupção de algo
impossível no meio de um espaço aparentemente conhecido.
4
Eu me lembro de quando eu tinha uns 8 ou 10 anos e meu
pai me levou para assistir uma noite de luta-livre no palco da Rádio Borborema,
transformado em ringue. A programação tinha 3 ou 4 lutas preliminares e uma
luta principal. Numa das preliminares tinha um lutador chamado Ferrinho, e
quando ele foi derrotado a platéia gritava em coro: “Ferrinho enferrujou!
Ferrinho enferrujou!”. A luta principal era entre Máscara Negra e Touro Novo.
Este último era um lutador moreno, troncudo, que entrou no “ringue” com um
roupão vermelho e ficou se exercitando; ficou de costas para a platéia e atrás
do roupão estava escrito: TOURO NOVO – CAMPEÃO BAIANO. Alguns segundos depois um
gaiato gritou lá de trás: “Pode virar, a gente já leu”. Máscara Negra era um
cara branco, meio magro, de calção preto e a necessária máscara no rosto. Claro
que torci por ele. Touro Novo o pegou pra limão e ganhou a luta sem muita
dificuldade. Eu voltei para casa perplexo, porque me parecia impossível que um
cara chamado Máscara Negra pudesse ser derrotado por um simples mortal.
5
Eu me lembro que uma noite a gente estava bebendo no
galeto de Benedito, que ficava na rua João Pessoa, naquele trecho depois da
Siqueira Campos, quando a rua começa a se elevar rumo à subida do Monte Santo. A
gente levava violão e ficava cantando forrós e sambas, mas contava os dinheiros
antes, pra saber até onde podia ir a conta, e se a noite ia ser somente de
cerveja ou se a certa altura dava para se distribuir entre todos um galeto com
farofa amarela, arroz e vinagrete. Nessa noite a gente já estava há mais de uma
hora cantando e quando se fez uma pausa aproximou-se Benedito, o dono, trazendo
duas garrafas de cerveja em cada mão, já abertas, e colocou em cima da mesa. A
gente protestou, dizendo que não tinha pedido, e ele indicou com o polegar:
“Foi o doutor ali quem mandou servir.” A gente olhou e viu no fundo do salão o
poeta-tribuno Raymundo Asfora, ladeado por duas beldades da noite, erguendo o
polegar em sinal de positivo e dizendo: “É só pra não pararem de cantar”. A
noite foi longe.
6
Eu me lembro de uma vez em que meu pai e minha mãe, com
alguns amigos, foram a uma festa à noite no Gresse, o clube dos oficiais
militares (“Grêmio dos Subtenentes e Sargentos do Exército”) , que na época era
um dos mais animados; na adolescência inteira brinquei muito carnaval ali.
Nessa noite eles foram em dois carros, e quando acabou a festa, de madrugada,
voltaram para continuar bebendo lá em casa. Acontece que um dos motoristas
estava completamente de pileque. Meus pais não dirigiam (uma prudência que eu
herdei), bem como as outras pessoas. Um motorista, dois carros. E Louro, um
amigo deles que estava ao volante, trouxe os dois carros alternadamente, do
Gresse até nossa casa no Alto Branco. Dirigia uns 30 metros, puxava o freio de
mão, voltava correndo, pegava o outro carro, passava uns 20 ou 30 metros do
primeiro, parava, voltava correndo.... E assim chegaram, sãos e salvos.
Muito bom!
ResponderExcluirCampina agora é só passado...
ResponderExcluirSaudades daquele tempo que já se foi.
"pode virar, a gente já leu" rsrs. A ligeireza de pensamento do matuto. Claps!!!
ResponderExcluirÉ verdade, André Gustavo -- com a ressalva de quem quem falou não era necessariamente um "matuto". Nessa época, Campina Grande era o 13o. município brasileiro em tamanho, incluindo capitais.
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