Não faço listas dos “melhores
do ano”, porque como não trabalho no jornalismo cultural não tenho a obrigação
de ler os lançamentos recentes. Leio mais livros antigos do que livros
recentes, não porque menospreze a literatura contemporânea, mas porque os
livros antigos têm um histórico de referências, que despertam minha
curiosidade. O que se segue abaixo é o registro de alguns bons livros que li
este ano, por ordem aproximadamente cronológica. Ainda pretendo escrever mais a
vagar sobre alguns deles.
Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá, de Lima Barreto. O romance é um retrato de um
intelectual mais velho feito por um amigo mais jovem, e de quebra uma série de
quadros vívidos sobre o centro e o subúrbio do Rio de Janeiro, cheios das
observações originais e bem argumentadas do autor. É um livro crepuscular e
humano, menos satírico que Isaías Caminha
ou Policarpo Quaresma, menos cruel do
que Clara dos Anjos.
Os Invisíveis 1,
de Grant Morrison. Uma das coisas mais curiosas nas HQ é o filão que mistura
ficção científica e ocultismo, com rupturas brutais no tempo e no espaço.
Pretendo avançar mais nesta série que tem algo de Philip K. Dick e da “gonzo fantasy” de Tim Powers.
Circo Nerino,
de Roger Avanzi e Verônica Tamaoki. Pesquisando sobre circos, peguei com
Eduardo Rios (o Escaramuça do Suassuna - o Auto do
Reino do Sol) este álbum notável com a história (numa profusão de fotos
excelentes) de um dos grandes circos brasileiros, que infelizmente nunca frequentei.
(“Meus” circos foram o Tihany, o Gran Bartholo e o Garcia.) Biografias de
inúmeros artistas, episódios curiosos, viagens pelo Brasil inteiro (há
inclusive transcrição de um artigo de Ednaldo do Egypto, quando o circo passou
pela Paraíba.)
The Life Cycle Of Software
Objects, de Ted Chiang. Não sei ainda se
vai ser este o título da coletânea de contos de Chiang (o autor de “A Chegada”,
filmado por Denis Villeneuve) que traduzi para a Intrínseca. É um dos melhores
contistas da FC contemporânea, um dos meus preferidos, e este volume, embora sem o peso de Stories of Your Life and Others,
recheado de clássicos, tem histórias excelentes como “The Merchant at the
Alchemist’s Gate”, uma narrativa de viagem no tempo no universo das Mil e Uma
Noites. (A capa acima é da edição isolada do conto-título.)
Red Harvest, de Dashiell
Hammett. O romance de estréia de Hammett
é um clássico em que o Continental Op, o detetive anônimo, chega a uma das
cidades mais corruptas do país e joga todas as quadrilhas dentro de um frenesi
de extermínio recíproco. Política, mentira, traição, ação constante e uma
versão cruel do “jeitinho americano” de liquidar bandidos.
Consternação,
de Jadson Barros Neves. Contos ambientados principalmente na região do garimpo
de Tocantins, uma fronteira rude com garimpeiros, pistoleiros assalariados,
indivíduos sem rumo e sem escrúpulos, crimes passionais, assassinatos por
dinheiro. Histórias ganhadoras de prêmios literários no Brasil e fora dele.
Conclave e Munich, dois romances de suspense de
Robert Harris (o autor de Enigma),
que traduzi para a Companhia das Letras. Harris tem um estilo seco, enxuto,
detalhado e rápido que dá inveja. O primeiro livro é sobre os bastidores da
eleição de um Papa; o segundo, sobre uma conspiração para matar Hitler durante
a Conferência de Munique de 1938.
Now Wait For Last Year, de Philip K.
Dick. Traduzi para a Suma de Letras este
romance de Dick, que eu não tinha lido ainda. Achei uma ótima narrativa, meio
desconcertante devido a freqüentes saltos irregulares no Tempo. Tem um dos
melhores personagens messiânicos de PKD, Gino Molinari, líder da Terra numa
guerra interestelar; drogas mirabolantes, um casamento cruelmente disfuncional e
a empatia dickiana em alguns dos seus momentos mais verdadeiros.
A Hipótese Humana, de Alberto Mussa. Um romance policial ambientado no Rio do século
XIX, com boas descrições de ambientes e tipos. Parte de uma série que fiquei
com vontade de conhecer melhor.
The Edge Of Running Water, de William
Sloane. Um romance esquecido de um autor
bissexto, de quem eu já li e comentei To
Walk the Night (aqui: https://tinyurl.com/yajmdedc).
Sloane é um excelente escritor, e esta história tem momentos arrepiantes numa
mistura entre FC e sobrenatural.
O Fogo Na Floresta, de Marcelo Ferroni. Um romance ambientado no mercado editorial (uma
editora que está sendo comprada e reformulada por um grande grupo econômico),
com uma protagonista que se debate de forma alternadamente cômica e trágica nos
absurdos do mundo corporativo, do casamento, do adultério, das catástrofes
financeiras, da maternidade e do cuidado com os pais idosos, tudo ao mesmo
tempo como na vida real.
The Drowned World, de J. G. Ballard.
Um dos primeiros romances-catástrofes de
Ballard, mostrando uma Inglaterra submersa pelo aquecimento global,
transformada num pântano semelhante aos do período Triássico.
Presos No Paraíso, de Carlos Marcelo. Um romance policial ambientado em Fernando de
Noronha com algumas reviravoltas hábeis de enredo, recriação eficaz de ambiente
humano e geográfico e uma alternância de pontos de vista que ajuda o leitor no
esforço detetivesco. Do mesmo autor de O
fole roncou, perfil histórico do forró nordestino.
Registro também os numerosos
bons livros de poesia que li ao longo do ano, e destaco estes: João Paraibano, O Herdeiro Dos Astros (org.
Ézio Rafael, Marcos Passos e Santanna o Cantador), Servir A Quem Vence (Astier Basílio), Velório Sem Defunto e Aprendiz
De Feiticeiro (Mario Quintana), Miolo
Da Rapadura (Klévisson Viana), O
Vendedor De Berimbau (Chico Pedrosa), A
Desmedula da Seta (Alan Mendonça), O
Mínimo Possível (Adriano Cabral).
Além destes, outros livros
interessantes que comentei neste blog durante o ano:
O Espírito Da Ficção Científica, Roberto Bolaño
No Tempo De Almirante, Sérgio Cabral
A Lua Vem Da Ásia, Campos de Carvalho
Santaninha,
Arievaldo Vianna e Stélio Torquato
O Bigode,
Emanuel Carrère.
O Horlá, Guy
de Maupassant.
Baudolino,
Umberto Eco
Mar Paraguayo,
Wilson Bueno
Incrível! Fantástico! Extraordinário!, Almirante
Malpertuis,
Jean Ray
The Yiddish Policemen’s Union, Michael Chabon.