segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

4299) Natal 2017 (25.12.2017)





(ilustração: Galina Kim)

...e o mundo gira a sua bolandeira
de planetas, satélites e luas
como giramos no vaivém das ruas
e no círculo astral do calendário.
Fim de ano é igual aniversário:
um ano a menos resta à nossa frente.
Quem quiser comemore este presente:
mas eu celebro o fluxo, e não o saldo,
a travessia, e não o esforço baldo
de guardar este rio em algum bolso.

As alcatéias cantam, e eu só ouço,
esperando chamarem minha senha,
escutando o machado sobre a lenha,
respirando a fumaça da fogueira,
vendo a vida passar Aleph-inteira
cada vez que me deito pra dormir,
sendo ainda capaz de ler, sorrir,
já que tudo é clicar aplicativos;
cada vez que desperto ao sol dos vivos
sou eu mesmo de novo, e sou um só.

E eu fui feliz, no meu Bodocongó!
Tocando, via o dia amanhecer...
Era uma luz que não voltei a ver
uma alegria de elevar balões
um aconchego de saber canções
sentimento de noite de luar
ascendendo na perpendicular
rumo ao zênite bom de um dia claro
sentimento tão puro, forte e raro
que deve ser produto da memória.

Sentir saudade é maquilar a História;
um direito de todo cidadão!
Ah, se não fosse a imaginação
como ficar em paz dentro de si?
Tudo quanto eu sonhei, pensei, vivi,
era o centro vital daquele Instante,
um “agora” em que todo ser pensante
tem ponto de chegada e de partida,
cartesiano zero, o “x” da vida,
onde o espaço e o tempo entram em foco.

Pois este mundo só existe “in loco”,
o átimo, o momento, o here-and-now,
o passo à frente, o quantum-leap, o vau,
o fotograma que “eppur si muove”.
Porque tudo que pulsa e nos comove
só pulsou desta vez, neste presente;
é o Tempo do corpo, e não da mente;
a mente é transversal, não-linear,
randomizada, ortogonal – lugar
capaz de superpor tempos distintos.

Então... vamos brindar brancos e tintos.
Eu morrerei, e tudo vai passar.
Meus átomos irão se dispersar
e nessa hora não serão mais meus;
só me faltava que existisse um deus!
Um síndico do cosmos, registrando
quem entrou, quem saiu, quem-onde-quando...
O tempo; o espaço; dois vetores; “x”.
E nesse encontro está tudo que eu fiz,
o ponto luminoso em que eu pisquei.

O ano se passou... e eu nem liguei.
Impressionante um ano como passa.
Como um poema escrito com fumaça,
ou ser humano escrito em carne e osso;
ou como passa este universo-esboço,
rascunho escrito em turbilhões de quarks
que me aceitou, como se a Groucho Marx
aceitasse algum clube dadaísta;
não importa; meu nome entrou na lista
e o convidado-trapalhão nasceu.

E aqui estou, por fim. Não mangue d’eu!
Mangue do mundo que me produziu,
mangue dos séculos, ou do Brasil,
que deu matéria pro meu torvelinho.
Sou só um velho contemplando um vinho
sem saber qual dos dois vai durar mais.
Deixo que o mundo me deguste em paz
como o degusto eu, que vou passando,
vendo, sendo, sorrindo, versejando
esta estrofe que emenda com a primeira...








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