terça-feira, 19 de abril de 2016

4105) O horror cósmico de William Sloane (19.4.2016)



Veio parar às minhas mãos a edição-ônibus de The Rim of Morning (New York: New York Review Books, 2015), que reúne duas novelas de William Sloane, ao que parece suas duas únicas incursões como autor de FC. Os dois livros são To Walk the Night (1937) e The Edge of Running Water (1939). As duas novelas vêm sendo publicadas em conjunto com o título The Rim of Morning desde 1964.

Falarei sobre a primeira delas. To Walk the Night é contada sob a forma de flash-back por Bark Jones, um estudante recém-formado de uma universidade na região de Nova York. O início do livro mostra Bark chegando de carro, à noite, à casa do pai de um grande amigo seu, trazendo na mala um vaso com as cinzas do amigo, morto alguns dias atrás no outro lado do país. A reunião entre Bark e Mr. Lister, o pai do falecido Jerry Lister, é o tempo presente da narrativa, que consiste na narração minuciosa, por parte de Bark, de uma série de acontecimentos estranhos dos últimos dezoito meses, envolvendo os dois amigos recém-saídos da faculdade, um professor que fazia pesquisas obscuras sobre o espaço-tempo, e a misteriosa esposa deste.

Um dos aspectos mais interessantes de flashbacks deste tipo é que, como se trata de uma narração verbal, ela admite de vez em quando (e Sloane faz uso consciente disso) interrupções do flashback para o retorno ao tempo presente, quando os personagens trocam impressões e comentários sobre os fatos passados. Em alguns casos, nas histórias mais pulp fiction, este artifício é usado para fornecer explicações sobre o enredo, explicações que o autor teve dificuldade de encaixar na ação da narrativa e preferiu dar de graça ao leitor usando falas do personagem-narrador.

Não é o que faz Sloane. Os comentários entre Bark e Mr. Lister esclarecem detalhes dos acontecimentos passados mas, de um modo geral, fazem alusões incompletas a outros fatos ou circunstâncias, o que aumenta o mistério e o suspense narrativo. É uma dessas histórias cheias de referências indiretas ao futuro, do tipo “Naquele instante, não percebi a importância deste pequeno detalhe”, ou “Eu não poderia saber as consequências que esse fato aparentemente banal iria ter dias depois”. Bem usado, esse artifício é um gancho poderoso para prender o leitor até que sua curiosidade seja satisfeita.

Não revelarei muita coisa do argumento, para não dar spoilers aos dois ou três leitores que talvez venham um dia a ler o livro. Que vale a pena, sim. A história lembra, por um certo ângulo, o filme Lifeforce (Tobe Hooper, 1985), inspirado no romance de Colin Wilson The Space Vampires (1976), onde a bela Mathilda May encarna um ser alienígena que suga com indiferença a vida dos humanos com que se defronta. Lembra também aqueles contos de Lovecraft onde, depois que algum fato espantoso provoca uma tragédia sem explicação, alguns personagens se reúnem e comparam lembranças, tentam encaixar as peças do quebra-cabeças para entrender o que aconteceu. Também lembra (muito) o Arthur Machen de The Great God Pan (1894), que provavelmente lhe serviu de inspiração.

Uma história lovecraftiana, mas o que assombra, mais do que o enredo, é a prosa límpida e clássica de Sloane, um autor de quem eu nunca tinha ouvido falar. Não lembro de muita gente na FC de 1937 que escrevesse tão bem quanto Sloane neste livro. Lembra a prosa limpa-de-exageros de Heinlein, mas Heinlein só estrearia dez anos depois. E tem um certo tom clássico, talvez mais britânico do que norte-americano, o que me leva a achá-lo muito mais próximo de autores ingleses dos anos 1930 como Aldous Huxley e Olaf Stapledon do que com os grandes nomes da FC norte-americana da época, que seriam talvez E. E. Doc Smith, Stanley Weinbaum, A. Merritt, o próprio Lovecraft...  Todos podem ganhar no quesito imaginação, mas nenhum, me parece, escreveu tão bem, de forma tão clara, expressiva, controlada, quanto Sloane. Se me dissessem que o livro é de hoje, eu poderia acreditar.

Além dos dois romances citados (lerei em breve o segundo), Sloane (1906-1974) publicou duas antologias de FC: Space, Space, Space (1953) e Stories for Tomorrow (1954), sendo esta última a mais elogiada. Foi professor de escrita criativa na Bread Loaf Writer’s Conference durante vinte e cinco anos, e algumas de suas aulas foram reunidas em The Craft of Writing (1983). Durante a maior parte da vida trabalhou com editor na Rutgers University Press.







Um comentário:

  1. Braulio alguns dos livros do Lafferty foram relançados em ebook oficiais e não piratas.

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