quinta-feira, 31 de março de 2016

4090) Os 50 idiotas (1.4.2016)



As tribos antigas tinham uma coisa chamada de Conselho dos Anciãos, a quem cabia deliberar sobre as questões mais graves do interesse de todos.  Os anciãos eram os sujeitos mais velhos, mais experientes, mais cheios de recursos.  Era provável que alguns já tivessem enfrentado situações semelhantes.  Tinham – no dizer de Camões – um “saber só de experiências feito”.  O engraçado é que hoje em dia, para coisas como filmes, programas de TV ou campanhas publicitárias, não temos Conselhos de Anciãos, temos o Conselho dos Idiotas.

Os cinqüenta idiotas (era assim que Raymond Chandler os chamava) são aqueles indivíduos que os estúdios de Hollywood arregimentam para uma sessão exclusiva do filme que está quase pronto, e que as agências de publicidade contratam para examinar seus projetos. Eles exprimem a opinião média da população. São pessoas meio que pegadas na rua – o cara que vende hot-dog, o office-boy, a recepcionista, umas donas-de-casa, uns pais-de-família...   Gente sem muita informação sobre os aspectos técnicos e ideológicos de uma arte, qualquer arte. Gente que representa um segmento importantíssimo do mercado: a Maioria.

A indústria cultural vive da maioria.  É como o sistema republicano, onde não ganha o candidato mais honesto e mais capaz de administrar, ganha o candidato que tiver mais votos. Nas eleições, como não se pode saber por antecipação em quem todas as pessoas vão votar, o Ibope faz uma amostragem por região geográfica, classe social, etc., e manda seus pesquisadores.  Eles entrevistam duas mil ou três mil pessoas, e com essa pequena amostra acertam (em geral) em quem vão votar 120 milhões. 

Os estúdios de cinema fazem a mesma coisa, só que de uma maneira menos científica.  Eles escolhem “no olho” uma porção de pessoas, levam para uma cabine, dão um lanche, exibem o novo filme de Martin Scorsese ou Quentin Tarantino, e depois perguntam o que o grupo achou do filme. Ninguém os chama de idiotas, a não ser o autor de O Sono Eterno. Eles não estão ali por serem idiotas, claro, mas por serem representativos. Se o país tivesse 300 milhões de intelectuais, os estúdios escolheriam 50 intelectuais. 

O teste vale? Geralmente sim. A verdade é que essas pessoas que teoricamente nada entendem de cinema acabam entendendo de si mesmas, refletem sem complicações seu próprio gosto, seu próprio nível de entendimento. Chandler não tinha razão em chamá-los de idiotas, mas tinha razão em não querer que uma obra sua fosse submetida a esse tipo de filtro. Nem todo livro ou filme é dirigido a um público tão informe, tão indiferenciado, tão nivelado por uma média aleatória de informação e gosto.





Um comentário:

  1. “a Opinião Pública tem sempre razão… Ainda mais se for bem cretina…” [Céline]

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