terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

4052) O romance policial francês (17.2.2016)





Meu conhecimento de romances policiais “noir” escritos em francês é tão escasso que posso até completar a caixa com Albert Camus e Boris Vian para dar sustança. Mas existe um espírito, sim. Existe um feixe de rimas, bem visível, entre um certo tipo de romance policial popular norte-americano e um certo tipo de cinema/literatura jovem, urbana, anticonvencional e meio fatalista francesa. 

Não foi apenas Baudelaire que salvou Edgar Allan Poe, os cineastas da nouvelle-vague valorizaram as ações de Cornell Woolrich (La Mariée était en noir, La Syrène du Misssissipi) e de outros romancistas pulp.

Truffaut filmou também David Goodis (Tirez sur le pianiste) e o filmou a sério, muito mais envolvido do que por exemplo Godard, que em Bande à part até descreve crimes e mortes violentas, mas muito mais distanciadamente. 

Truffaut tem um talento saudável para o melodrama, enquanto o cinema de Godard sempre foi uma junção do stand-up com o PowerPoint. (Isto é um elogio.) 

Truffaut é da escola emocionalista do seu mestre Hitchcock, notório manipulador de platéias. Talvez mais ingênuo, ele, e Hitchcock meio cínico. Aliás, Hitchcock já tinha adaptado a Janela indiscreta de Woolrich, inclusive melhorando em muito o conto original. 

Cinema (francês) urbano, de vanguarda, e os heróis são todos bandidos, desde um cara à margem da lei por negligência existencial, como o Belmondo de Acossado, até os pequenos delinquentes de Os incompreendidos

O jeito bandidão dos norte-americanos se misturou aos genes de Rocambole, espalhados pelas demolições de Paris. Paris é a cidade que já esteve nas mãos de maior número de foras-da-lei incapturáveis, desde Fantômas, o arqui-criminoso, até o rei dos ladrões de casaca, Arsène Lupin.

Lupin, o herói de Maurice Leblanc, segue ao longo de mais de vinte livros uma trajetória que o leva de assaltante a detetive, de terror dos banqueiros e dos colecionadores de arte a colaborador da polícia na caça a um mal maior. 

Lupin não apenas se disfarça de vez em quando de policial, ele torna-se policial de fato. Seus golpes nunca são sangrentos (Lupin desmascara, expõe, ri, galhofa, moteja – mas não mata). 

Rocambole, o herói folhetinesco de Ponson du Terrail, é bandido nos primeiros quatro livros e policial nos outros quatro. Mas trata-se menos de um livro de gênero do que um livro de época. 

Os folhetins de Balzac iam para o lado social, os de Verne para o lado aventureiro-científico, os de Ponson para o melodrama policial, com sociedades secretas como “O Clube dos Valetes de Copas” e lutas contra thugs indianos estrangulando bandidos em Paris. Uma história policial francesa pode ser reconhecida mesmo sem assinatura.







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