A arte do repentista não consiste apenas em inventar versos na hora, mas também em lembrar, no calor do momento, versos que fez ou que ouviu ou que pensou ou que lhe contaram, e que ele pode reproduzir parcialmente, para responder em questão de segundos, ao verso que o companheiro acabou de cantar. Sempre repito uma verdade que me parece indiscutível, na arte da cantoria: É impossível decorar aquilo tudo, e é impossível improvisar aquilo tudo. A cantoria mistura versos improvisados e versos lembrados, anotados mentalmente ou num caderno, e que na hora de cantar raramente saem da maneira como foram escritos, saem modificados, seja para melhor ou para pior, de acordo com a memória do cantador.
Cantadores decoram versos para cantar em ocasiões
específicas, mas negam que o façam. Por que? Porque a cantoria é cercada de
espectadores meio leigos e com espírito-de-porco, os quais, na hora em que ouviram
um cantador dizer que decorou alguns versos, vão sair dizendo: “Eu não disse? É
tudo decorado! Tive agora a prova! Fulano de Tal acabou de confessar que só
canta decorado”. O Fulano pode ter confessado que decorou apenas um ou outro
verso, mas para o anti-apologista (o que vai para a cantoria torcer contra os
cantadores) era a prova que faltava para confirmar que aqueles caras não sabem
improvisar, e portanto não são melhorres do que ele. Como qualquer outro
ambiente que cerca uma atividade artítica, a cantoria está cheia desses
negadores da arte.
Alberto Cunha Melo, em seu livro Um certo Louro do Pajeú (Natal: EDUERN, 2011), à pág. 24, diz: “É tempo de alguém ousar uma análise
literária da produção do repente e do folheto. Quanto ao repente, um estudo
comparativo de suas técnicas e resultados diante do automatismo psíquico
praticado pelos surrealistas poderia colocar em confronto, por exemplo, o
propósito de conciliar o urgente com o consciente, do primeiro, com o uso do
urgente para abolir o consciente[,] do segundo”.
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