(Selton Mello, no filme A Erva do Rato, baseado em "A Causa Secreta"))
O Alienista (1882) é uma sátira de Machado de Assis à
ciência. O dr. Simão Bacamarte decide trancafiar no seu manicômio, a Casa
Verde, qualquer indivíduo que exiba comportamento insano de qualquer natureza.
Ele constata então que ninguém é normal, e que pelo andar da carruagem a
população inteira de Itaguaí terá que ser internada, e poucos são os
verdadeiramente sãos encarregados de cuidar do mundo exterior.
De certa forma é uma sátira patafísica avant la lettre,
porque naquele momento o futuro inventor da Ciência das Exceções tinha apenas
nove anos. Alfred Jarry é o famoso criador do vilão da vanguarda O Rei Ubu, de
peças memoráveis. O Colégio de Patafísica, a que ele deu origem, é um divertido
grupo de franceses que tem pontos em comum com a OuLiPo, a oficina de
literatura potencial, e com o teatro do absurdo, um movimento cosmopolita com
peso em Paris. A Patafísica é a ciência que, em vez das regras, cuida das
exceções.
Com a amargura compassiva e o veneno bem-humorado do autor,
a loucura de Simão Bacamarte é até lírica, comparada a cientistas machadianos
como Stroibus e Pítias, os dois filósofos-picarescos do seu “Conto Alexandrino”
(1884). Stroibus disseca animais vivos para provar que seu sangue transmite
essências: “Os elementos constitutivos do ratoneiro estão no sangue do rato, os
do paciente no boi, os do arrojado na águia”. Passam a frio, na lâmina,
centenas de ratos, e estabelecem por acúmulo de evidências a cor exata que
tinham os olhos dos animais ao morrer.
Bebem o sangue do rato, os dois, num experimento pouco
controlado, o que revela seu lado de trapaceiros trapalhões meio
marktwainianos. O sangue do rato faz efeito, e danam-se os dois a furtar a
torto e a direito, para no fim acabarem eles próprios na mesa de vivissecção. É
a mesma impiedade do Fortunato de “A causa secreta” (1885), o homem que
pendurava ratos em cima de uma chama e usava uma tesoura neles. Os cientistas
alexandrinos são um meio termo entre o cientista maluco dr. Bacamarte, que é
até meio julioverniano, e o cruel Fortunato. A ciência acolhe o tresvario
conceitual e acolhe também o sadismo. O alienista é o menos ameaçador dos seus
filósofos.
Esse conto do Machado de Assis, Causa Secreta, é realmente muito bom. Lembro-me de que quando o li há alguns anos atrás ele causou-me uma forte impressão, pela forma incrível em que está escrito e pelas cenas criadas. Foi a partir daí que passei a buscar as facetas mais obscuras de Machado, muito além dessa imagem que temos de romancista exemplar, foi aí que conheci os poemas genias, tais como A Mosca Azul, os contos de mitologia, os contos menos conhecidos, nem por isso menos geniais, tais qual Pai Contra Mãe. Machado de Assis é infinito e eterno.
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