Completam-se 25 anos do lançamento da série de TV Twin Peaks, criada por David Lynch. Há uma continuação em projeto, se bem que o diretor, como toda estrela que se preza, esteja fazendo um certo foi-não-foi a respeito de orçamento. Estou aproveitando para dar uma olhada geral na série, pois na época vi vários episódios fora de ordem, tive que ler na imprensa o enredo, portanto não considero que tive a experiência estética verdadeira de quem vê a história por ordem cronológica desde o começo. Estou tendo agora, quando revi em alguns dias a primeira temporada inteira.
Twin Peaks é uma cunha do “uncanny” enfiada na
fórmula-padrão do seriado de TV norte-americano. É um Dallas refilmado pelo
Buñuel do México, com paisagens do Maine de Stephen King. Menos inquietante /
espantoso / perturbador / violento / surreal do que filmes como Eraserhead (1976), O Homem Elefante (1980), Veludo Azul (1986) ou Coração Selvagem (1990), que ele àquela altura já tinha feito, no cinema. Lynch desembarcou na
TV com o cacife desses filmes demolidores, e se apropriou do formato de
narrativas tipo Peyton Place, sobre as mazelas ocultas por baixo do esmalte,
xampu e batom de uma cidade perfeita nos moldes norte-americanos. Só que Peyton Place, Dallas e outros descascam apenas a casca de fora dessas
feridas. Lynch afunda o bisturi e puxa lá de dentro alguma coisa que não vemos
porque até a câmara se afasta, para mostrar a paisagem através da vidraça
partida.
A música de Angelo Badalamenti produz um clima de ansiedade
crescente, que vai surgindo, vai cercando, vai envolvendo. Lynch sabe dar um clima ominoso a uma cena
banal, como duas pessoas conversando, apenas com o uso de uma massa sonora
subliminar que parece um tsunami de ameaça prestes a arrastar aquelas pessoas
para longe. Sua trilha lembra Philip
Glass, pelo uso recorrente de pequenas frases musicais aparentemente simples,
assobiáveis, células melódicas que grudam na memória; e lembra Sérgio Leone
pelo “crescendo” épico que arrebata tudo e todos, uma música de melodrama sem
constrangimento, talvez porque se trate de um melodrama existencial e
metafísico e as possibilidades de sentimentalismo água-com-açúcar estejam
canceladas desde o primeiro acorde.