Estou coordenando, para a Escola de Cinema Darcy Ribeiro (Rio de Janeiro) uma Mostra do Cinema Fantástico, com filmes todos os sábados às 14 horas, entrada franca. A escola fica na esquina da Rua 1º. de Março com Rua da Alfândega, pertinho do CCBB. (Após a sessão, haverá debate com o prof. Sérgio Almeida.)
Hoje será exibido Haxan – a Feitiçaria Através dos
Tempos de Benjamin Christensen. Realizado em 1922, é uma co-produção
dinamarquesa-sueca inspirada no famoso livro O Martelo das Feiticeiras (“Malleus Maleficarum”), o guia dos interrogadores de bruxas do século 15. Foi
o filme escandinavo mais caro de sua época. O diretor pesquisou uma imensa
iconografia relacionada a deuses, demônios, bruxas, duendes, criaturas
monstruosas, espíritos malignos, e muitos episódios foram encenados com atores.
Haxan não é um filme de ficção nem é um documentário
tradicional. Sua pesquisa tem um perfil até didático (é engraçado ver hoje a
“vareta do professor” indicando os detalhes das imagens mencionados no texto).
As tentativas de dramatização de situações não chegam a ganhar um caráter
ficcional, são como ilustrações animadas. Xilogravuras, iluminuras, desenhos: o
diretor reuniu uma impressionante quantidade de material.
Há uma corrente importante do fantástico literário (e
cinematográfico) que nasce desse caldo espesso de milhares de anos de
superstições, animismo, violência, preconceitos, alucinações coletivas. A escritora Kathryn Cramer disse certa vez
que “o Fantástico é a linguagem da mente submetida a extrema tensão”. É o
transbordamento do inconsciente sobre o consciente, no indivíduo, e,
coletivamente, o transbordamento de milhares de anos de superstição sobre a
racionalidade duramente conquistada em séculos mais recentes. Temos hoje um verniz de ciência e pragmatismo
cobrindo milênios de alucinação, fanatismo, terrores religiosos.
Haxan reproduz os aspectos mais sombrios desse mundo em
que seres humanos, diabos, animais e deuses se transformavam uns nos outros
mediante uma fórmula mágica, uma poção, um ritual. É o mundo das feiticeiras de
Salem e do Macbeth de Shakespeare, do Inferno de Dante e de Anne Rice. Estamos
longe do fantástico sofisticado, na linha de Jorge Luís Borges, em que se
discutem aspectos e paradoxos do espaço e do tempo. Haxan é uma viagem ao
interior da mente humana e aos pesadelos que ela guarda nos seus porões. Não
são os paradoxos delicados e inquietantes de René Magritte ou de Salvador Dali:
é o mundo de Hieronymus Bosch, repleto de duendes, demônios, seres híbridos de
animal e gente. As criaturas que abrem os olhos quando apagamos a luz.
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