Estou coordenando, para a Escola de Cinema Darcy Ribeiro (Rio de Janeiro) uma Mostra do Cinema Fantástico, com filmes todos os sábados às 14 horas, entrada franca. A escola fica na esquina da Rua da Alfândega com Rua 1º. de Março, pertinho do CCBB. (Após a sessão, haverá debate com o prof. Sérgio Almeida, e estarei presente sempre que possível, o que não é o caso de hoje.) Comentarei aqui os filmes escolhidos, e o leitor fora do Rio pode encontrar os filmes nas locadoras e na Internet, caso se interesse.
Hoje
será exibido Feitiço do Tempo (“Groundhog Day”) de Harold Ramis (1993). A premissa
fantástica (há uma só) do filme é que o personagem de Bill Murray fica preso
num único dia, o Dia da Marmota (“groundhog”), quando nos EUA se costuma deduzir
a duração do inverno em função do comportamento de uma marmota em sua toca. Murray
é Phil, um repórter de TV meio cafajeste que vai cobrir essa data folclórica
numa cidadezinha, acompanhado da produtora Rita (Andie MacDowell) e sua equipe.
Phil quer comer Rita, e ela não o suporta. Uma nevasca os deixa presos na
cidade, sem poder sair. E quando Phil acorda no hotel, na manhã seguinte, descobre
que o Dia da Marmota está se repetindo, tintim por tintim: mesmos diálogos,
mesmos gestos, mesmos pequenos acidentes.
O
choque inicial o desorienta, mas quando dorme de novo tudo se repete. Phil leva algum tempo para perceber que está
preso num “loop” temporal, como um disco enganchado. A premissa do roteiro de Danny
Rubin não é explicada, mas, como fica clara desde logo, o espectador se
concentra em ver de que maneira Phil irá reagir diante das dezenas de pequenos
episódios daquele dia eternamente reprisado, que aos poucos ele começa a saber
de cor.
Groundhog
Day se baseia numa única premissa fantástica para desenvolver complexos
padrões de repetições e variantes; uma técnica de seriados como Twilight Zone e outros. O filme tem um elenco simpático e uma narrativa bem editada (quanto
mais o espectador vai se familiarizando com os fatos mais rápida ela se torna).
Talvez sua virtude principal seja algo que filmes fantásticos deste tipo nem
sempre fazem: ele examina todas (em termos, claro) as consequências possíveis
da premissa principal, todas as possibilidades do que poderia acontecer a um
personagem numa situação como aquela. Como acontece com tantos bons romances de
ficção científica, os roteiristas (Ramis e Rubin) se divertem em imaginar e em
sugerir ao espectador uma infinita ramificação de vidas possíveis para aquele
personagem, naquele mundo em que ele é o único que já sabe o que vai acontecer mas
está mais prisioneiro do que todos os outros.
No tempo do VHS, me dei ao trabalho de conferir quantos dias Phil fica preso na data. Precisei rever e rever até confirmar o mesmo resultado 3 vezes (menos, a incerteza persistiria). Hoje o dvd facilita muito calcular as repetições dos dias, implícitas o tempo todo no borbotão das cenas recorrentes, com passagens subentendidas, muitas delas em elipses rapidíssimas (a série de bofetadas ou suicídios, por ex). Uma proeza de concepção e realização, perturbador como um dejávù duradouro. E o roteiro tem consistência: Phil (que não previu a nevasca que o retém na cidadezinha) sai da experiência como alguém bem melhor (morrer e ressuscitar várias vezes deve trazer algum aprendizado, hehe). Para não tirar a graça da descoberta de cada cinéfilo, prefiro não expor aqui quantos dias Phil fica prisioneiro. (Abração, Braulio)
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