terça-feira, 2 de dezembro de 2014

3673) "Interestelar" - I (2.12.2014)




As gigantescas nuvens de poeira que o vento ergue numa terra estéril e ressequida, em Interestelar (2014) de Christopher Nolan são uma alusão clara às tempestades de areia dos anos 1930 no Dust Bowl, a região árida que inclui partes do Texas, Oklahoma e Estados vizinhos.  Um dos muitos infernos da Grande Depressão.  A última vez que as vi no cinema foi no filme de Hal Ashby Esta terra é minha terra (Bound for Glory, 1976), a biografia de Woody Guthrie, que compôs canções sobre essa fase, inclusive “Dust Bowl refugee”.

Uma Terra num futuro próximo. Crises ambientais e pragas agrícolas fora de controle puxaram o tapete da civilização. Diz o personagem de John Lithgow: “Seis bilhões de pessoas, e todas querendo o máximo que a civilização prometia.  Não ia dar certo nunca.”  Todos os recursos da Terra se voltam agora para a produção de alimentos, cada vez mais difícil. Como diz um mote de cantoria, “os pecados de domingo quem paga é segunda-feira”.  A chuva de areia é resultado de séculos de consumismo, desperdício, depredação ambiental, agrotóxicos, orgias de energia, farras de matérias-primas.  Um dia isso acaba.

Num mundo assim, um programa espacial seria visto como uma heresia, um acinte, de modo que a NASA torna-se algo clandestino como a Área 51.  Um prosseguimento da aventura tecnológica do nosso tempo, num momento em que a humanidade está na UTI?!  Claro que, sendo um filme de FC, é a aventura tecnológica que ele mais exalta.  Aquele otimismo arthurcclarkeano pela conquista do Universo.  Aquele fetichismo-de-veículos tão norte-americano, em que basta ter um piloto de munheca firme e reflexos rápidos para que a missão chegue a bom termo.  A humanidade é guerreira e não se entrega.  A terra agoniza?  As estrelas são meu destino.

Isso dá mais pungência ao leitmotiv do poema, que Dylan Thomas escreveu pensando no pai, na época lutando contra o câncer que acabou por levá-lo.  “Não siga mansamente para essa noite em paz.  Os velhos deviam arder e festejar, no fim do seu dia. Fúria, sinta fúria, fúria contra a luz que se vai.”  A humanidade não retornará mansamente à treva.  Ela prefere saltar para dentro de um buraco negro.  É a morte do planeta e a cambalhota às escuras para outro.  É a história de duas mulheres jovens e seus pais, uma história de aprendizados, heranças, cobranças, conflitos, uma solidariedade e cumplicidade que se estende para além do tempo e do espaço.  Mesmo que a humanidade esteja se suicidando, como deve estar hoje, até mesmo um suicida pode sentir fúria contra a luz que se vai.  A FC dos EUA nos presenteou essa fantasia tão necessária como espécie, a de que somos invencíveis.


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