Rola na internet uma polêmica sobre a edição de obras de Machado de Assis, reescritas para alcançar um público mais amplo, substituindo palavras consideradas difíceis, como “sagacidade”, por palavras como “esperteza”. A intenção é tornar Machado mais conhecido pelas gerações mais jovens, as quais, por motivos que nem adianta começar a discutir num espaço tão curto, têm um vocabulário pequeno. (Por alguma razão, autoridades sempre acham que a melhor maneira de curar o vocabulário reduzido dos leitores é obrigar os escritores a diminuírem o seu.)
Gosto de ver adaptações de obras literárias para o
cinema, o teatro, a ópera, as histórias em quadrinhos, os videogames e assim
por diante. Geralmente acho que o resultado das adaptações é ruim, mas isso não
cancela a importância da tentativa. Temos inclusive livros com adaptações
destinadas aos jovens, feitas por Paulo Mendes Campos, Orígenes Lessa, Monteiro
Lobato, muita gente boa. Mas nessas edições sempre se fez uma ressalva,
enfatizando termos com “adaptar”, “recontar”, “nas palavras de”, etc. Sempre que peguei um desses livros, sabia que
não era o original. O perigo, creio, está em começar a publicar as obras de
Machado de Assis sem a prosa de Machado de Assis, e atribuir o resultado a ele.
Machado é as-palavras-de-Machado, assim como Van Gogh é
as-pinceladas-de-Van-Gogh. A arte de um escritor é feita de suas escolhas
verbais, sua opção por palavras comuns ou extraordinárias, seu modo de
organizar as frases, os termos específicos e bem pensados que ele emprega,
sempre com intenção estética. Todas as pessoas que leem e entendem Machado de
Assis viram algum dia essas palavras pela primeira vez, não entenderam,
tentaram deduzir pelo contexto, e foram em frente. Ninguém entende uma palavra
nova na primeira vez que a encontra. É preciso a repetição, em outros contextos. Se tirarem isso do leitor, que chance de
aprender lhe restará?
Obrigada. :-)
ResponderExcluirVocê disse tudo o que eu penso, mas com toda a sua classe e argumentação.
ResponderExcluirOtimo texto e reflexão!
ResponderExcluirmuito certo. é um perigo banalizar a obra do grande mestre. o que me preocupa é que as gerações futuras, quando o Brasil tiver milhares de escritores para se estudar, se considere esses falsos como verdadeiros, como hoje temos dúvidas dos escritos de alguns gregos como Heráclito, por exemplo. Machado, não, porque seus textos tem uma métrica psicológica que se esvaziaria nas versões simplificadas da baixa literatura.
ResponderExcluirPortugal não permitiria esse crime contra Eça ou Pessoa ou outro qualquer.
joseamerico@cesv.br
É uma atitude totalmente sem sentido. Parece que se alimentou uma "verdade" inconsciente de que os jovens precisam a todo custo ler Machado de Assim. Mas por quê? ora, porque é um mestre da linguagem, porque fala nas entrelinhas, porque mostra a realidade de certa classe local de uma época do país, porque foi o maior escritor brasileiro, porque tem uma escrita brilhante e particular, etc. E como resolveram fazer isso: alterando o vocabulário, deslocando a época, trazendo o universal para o vulgar, em suma, tirando Machado do texto. Finalmente os jovens vão ler Machado de Assim, mas ainda não compreendem porque o devem fazer, porque devem ler este novo autor, moderno, que escreve sobre traições em bailes funk cariocas. E crescerão ouvindo, como todos nós, que essa é a nossa maior literatura e que foi importante "lê-lo" a todo custo.
ResponderExcluirCorreção:
ResponderExcluir*Machado de Assis
(caramba, duas vezes)
Desafio: onde está o erro dos porquês? Digitação rápida dá nisso.
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