O erro pode ser fonte de criação e de fagulha poética. Até mesmo o erro produzido por ignorância ou desinformação.
João Saldanha contou numa crônica a discussão que viu num ônibus entre dois sujeitos e um deles afirmava com veemência: “Você é um indivíduo sem crepúsculo!”.
Se eu ouvisse isso, ficaria maravilhado com a finura de percepção poética do litigante. Um indivíduo que não tem crepúsculo é decerto um indivíduo que não conhece sutilezas, transições... Uma beleza, se bem que Saldanha adverte que o cara na verdade quis dizer “sem escrúpulos”.
Não muito diferente do locutor de uma rádio de Campina que escutei, após a conquista de um título pelo Treze, berrar entusiasmado ao microfone: “A torcida do Galo está comemorando enfurecida!” Pelo contexto, acho que ele quis dizer “eufórica”, mas euforia é assim, às vezes ela se sabota a si mesma.
Em outras situações de erros desse tipo – quando estamos
ouvindo, e não falando – a palavra que entendemos mal cria um ruído em nossa mente
e nosso primeiro esforço é para corrigir esse ruído, transformando a palavra
que não faz sentido em algo que nos é familiar.
Uma vez eu estava no aeroporto e havia umas senhoras idosas, visivelmente novatas em voos aéreos, pedindo explicações sobre como proceder para embarcar. A moça da empresa disse a uma: “Primeiro, a senhora precisa fazer o check-in”, e mostrou um bilhete de embarque que tinha na mão.
A senhora voltou para junto das amigas e disse: “Ele disse que tem que fazer o chequinho, ter que ir no balcão e pegar aquele chequinho ali” – e macacos me mordam se naquele tempo um bilhete de embarque não tinha mesmo o formato de um cheque bancário.
Uma vez eu estava no aeroporto e havia umas senhoras idosas, visivelmente novatas em voos aéreos, pedindo explicações sobre como proceder para embarcar. A moça da empresa disse a uma: “Primeiro, a senhora precisa fazer o check-in”, e mostrou um bilhete de embarque que tinha na mão.
A senhora voltou para junto das amigas e disse: “Ele disse que tem que fazer o chequinho, ter que ir no balcão e pegar aquele chequinho ali” – e macacos me mordam se naquele tempo um bilhete de embarque não tinha mesmo o formato de um cheque bancário.
Em outra situação, vi duas pessoas novatas tentando acessar um saite na Web. Uma delas disse: “Eles falaram que a gente tem que clicar nesse espaçozinho ali em cima e escrever a URL.” A outra, estranhando: “A o quê?” “A URL, foi o que eles disseram.” (Como se sabe, URL quer dizer ‘Uniform Resource Locator”, é aquele endereço começando por “http” que a gente digita para chegar onde quer chegar.)
A outra num esforço de tradução, perguntou, intrigada: “A arruela?...”, e fez com os dedos a forma circular do objeto. E a primeira, visivelmente aliviada, repetiu o gesto e disse: “Sim! A arruela! É como um link!”.
E é desse jeito que acabamos chegamos ao destino certo por vias tortas, e mesmo virando à direita ao sair da porta podemos dar a volta ao quarteirão e chegar no prédio vizinho à nossa esquerda. Tipo assim.
Na escrita, Reinaldo Santos Neves atribui muitos insaites ao psicológico ato falho.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEste texto genial me fez divagar... Quando um escritor tem o seu livro publicado, as palavras ganham asas e chegam aos ouvidos dos leitores, com uma percepção que, muitas vezes, foge da original. Quanto de riso podemos extrair daquilo que ouvimos. É, decididamente, ao sair do forno da imaginação do autor, as palavras não mais lhe pertence.
ResponderExcluir