Para alguns historiadores do cinema, este é o filme que começou (ou pelo menos cristalizou numa forma nítida, pois antecessores havia muitos) o filme policial “noir”, que (como tantas outras coisas da cultura pop) os norte-americanos inventaram e os franceses descobriram. Double Indemnity (1944), baseado num excelente romance de James M. Cain, foi dirigido por Billy Wilder, e roteirizado por Wilder e Raymond Chandler. Foi um período em que o chamado Código Hays imperava em Hollywood, passando um pente-fino moralista nos roteiros e nos filmes prontos. Contando uma história sórdida de adultério, traição, ganância e assassinato, o filme conseguiu driblar a censura e mostrar um lado da América que a América, em plena guerra, saturada de propaganda democrática e triunfalista, não fazia questão de revelar.
Este
filme talvez seja a mais bem sucedida das contribuições de Chandler para o
cinema (ele viria a negar com veemência que tivesse restado algo seu em, por
exemplo, Pacto Sinistro de Hitchcock, embora seu nome apareça nos créditos). O filme tem pequenos detalhes seus, como por
exemplo a tornozeleira (“anklet”) de ouro usada pela personagem de Barbara
Stanwyck; um detalhe presente no romance A Dama do Lago e ausente no livro em
que o filme se baseou. Pacto de Sangue tem também a única imagem preservada
de Chandler: ele faz uma aparição hitchcockiana numa cena em que o
protagonista, interpretado por Fred MacMurray, caminha por um corredor.
No
mais, o filme é uma antologia de efeitos fotográficos magistrais: contrastes de
claro/escuro, composições em linhas paralelas, superposição de tons de cinza,
ângulos expressivos, presença subliminar de sombras e de reflexos. O “noir”
norte-americano deve muito ao expressionismo alemão que fez parte da formação
do diretor Wilder, um estilo que ele retomaria depois em Crepúsculo dos
Deuses e outros filmes. O mundo desses filmes é uma espécie de caverna repleta
de reflexos, imagens duplas ou distorcidas, linhas que se entrecruzam como flechas
num campo de batalha, corpos aparentemente sólidos que se desfazem ao saírem do
cone de luz de uma lâmpada... O filme
noir é um filme realista na superfície (nada acontece ali de fantástico, nada
de impossível pelas leis naturais) mas é um realismo totalmente subjetivo, soma
do mundo exterior iluminado e nítido e do mundo mental dos personagens, que
nele se projeta sobre a forma de “clima”; daí ser uma forma especial de
expressionismo. Realistas são as cenas de escritório de Fred MacMurray com os colegas;
expressionistas as cenas dele com a mulher fatal que o arrasta para o crime e a
morte.
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