domingo, 23 de fevereiro de 2014

3430) Histórias de espiões (23.2.2014)



O romance de espionagem teve seu “boom” a partir dos anos 1960, auge da Guerra Fria, mas já vem de longe. Se brincar, remonta até a Baronesa de Orczy e suas aventuras do “Pimpinela Escarlate” ajudando nobres a fugirem da guilhotina durante a Revolução Francesa.  Muitos escritores ilustres não apenas escreveram romances de espionagem, como também trabalharam como espiões para a Inglaterra – foi o caso de Somerset Maugham na I Guerra Mundial e de Graham Greene na segunda.

É de Maugham o romance Ashenden – o Agente Secreto (1928), na verdade um “fix-up” – conjunto de narrativas unificadas mediante um personagem, tema ou ambientação.  (O livro serviu de base para o filme homônimo de Hitchcock.) O protagonista é um escritor convocado para ajudar o Serviço Secreto britânico na Europa durante a Guerra. Suas missões incluem vigiar pessoas, facilitar contatos, mas também ajudar na execução de um ou outro agente inimigo. Não é uma leitura para os fãs de Ian Fleming ou de John Le Carré, que turbinaram a dramaticidade do gênero em termos de suspense, intensa movimentação, enredos intrincados como armações de xadrez. Maugham se baseou em suas experiências, e o livro tem aquele teor meio vago e inconcluso dos acontecimentos da vida real.

Quem foi grande fã do livro foi Raymond Chandler, para quem (em 1949) o romance de Maugham estava “muito à frente de qualquer outra história de espionagem já escrita”, e chegou a pedir ao seu editor inglês uma cópia autografada (e conseguiu). Disse ele: “É como se houvesse o tempo inteiro algo vago e sinistro por trás das cortinas. Na maioria dos outros livros, você apenas tem medo do cara com um revólver.”

Além do jogo político-ideológico, sempre tenso e interessante, o romance de espionagem, melhor do que qualquer outro, explora essa sensação imprecisa de perigos invisíveis, intenções duplas ou triplas por trás de cada ação, dúvida constante sobre cada personagem. Em Ashenden, a espionagem é o reino do mistério constante, onde o agente segue as instruções sem saber ao certo para que servem, ou o quê, precisamente, está em jogo.

A trilogia recente de William Gibson, da qual já foram traduzidos aqui Reconhecimento de Padrões e Território Fantasma, recupera essa sensação de aventuras individuais arrastadas em conspirações globais invisíveis, as tramas “vagas e sinistras” a que Chandler se refere.  A onipresença da Web como instrumento de manipulação resulta em histórias como “Maneki Neko” (1998) de Bruce Sterling, em que, como Ashenden, o protagonista cumpre ações que não entende, para dar seguimento a uma manobra internacional onde não passa de um simples peão.

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