Peço
perdão por ter sido o único sobrevivente do massacre em que 200 soldados da
volante exterminaram 17 cangaceiros indefesos, ou foram 200 cangaceiros que
massacraram 17 soldados, a esta altura a guerra de contrainformação já dissipou
os fatos. Peço perdão por ter me dado um branco e eu esquecido o nome do quinto
filho de um rei do Império Otomano, pergunta que na prova oral minha professora
preferida puxou da algibeira, certa de que eu tinha a resposta na ponta da
língua, e ficou surpresa com a minha demora em produzir o nome instantâneo
esperado, limitando-se a pigarrear em incentivo e limpar os óculos com uma
flanelinha amarela de bordas serrilhadas ostentando o logotipo da ótica,
enquanto eu gaguejava tartamudo uma contemporização qualquer e a classe inteira
fazia um zunzum trocando cotoveladas discretas e comemorando: “Ele também
erra!”.
Peço
perdão pelo verso flácido, por aquele vacilo no contratempo, pela semitonação
reiterada das minhas cordas de aço, por aquele agudo que se pretendia clímax
triunfal e redundou numa refração auditiva capaz de rachar mil tabocas. Peço
perdão pela gorjeta que foi só 10%, quando eu sei que esperava mais,
nossa-amizade, mas a cerveja demorou, o petisco veio mal aquecido, e só vou
pagar o mínimo previsto em lei. Peço perdão pelos crimes dos assírios e caldeus
– vou por ordem cronológica até chegar nos meus. Peço perdão por ter deixado a
van bloqueando o acesso dos bombeiros e das equipes de resgate, mas eu não
poderia tê-la estacionado em outro lugar, visto que fui o autor do atentado.
Peço perdão pelos meus solecismos, e os peço em dobro caso você não saiba o que
quer dizer esta excelente palavra.