Peço
perdão por ter sido o único sobrevivente do massacre em que 200 soldados da
volante exterminaram 17 cangaceiros indefesos, ou foram 200 cangaceiros que
massacraram 17 soldados, a esta altura a guerra de contrainformação já dissipou
os fatos. Peço perdão por ter me dado um branco e eu esquecido o nome do quinto
filho de um rei do Império Otomano, pergunta que na prova oral minha professora
preferida puxou da algibeira, certa de que eu tinha a resposta na ponta da
língua, e ficou surpresa com a minha demora em produzir o nome instantâneo
esperado, limitando-se a pigarrear em incentivo e limpar os óculos com uma
flanelinha amarela de bordas serrilhadas ostentando o logotipo da ótica,
enquanto eu gaguejava tartamudo uma contemporização qualquer e a classe inteira
fazia um zunzum trocando cotoveladas discretas e comemorando: “Ele também
erra!”.
Peço
perdão pelo verso flácido, por aquele vacilo no contratempo, pela semitonação
reiterada das minhas cordas de aço, por aquele agudo que se pretendia clímax
triunfal e redundou numa refração auditiva capaz de rachar mil tabocas. Peço
perdão pela gorjeta que foi só 10%, quando eu sei que esperava mais,
nossa-amizade, mas a cerveja demorou, o petisco veio mal aquecido, e só vou
pagar o mínimo previsto em lei. Peço perdão pelos crimes dos assírios e caldeus
– vou por ordem cronológica até chegar nos meus. Peço perdão por ter deixado a
van bloqueando o acesso dos bombeiros e das equipes de resgate, mas eu não
poderia tê-la estacionado em outro lugar, visto que fui o autor do atentado.
Peço perdão pelos meus solecismos, e os peço em dobro caso você não saiba o que
quer dizer esta excelente palavra.
Magnífico texto! Parabéns, Bráulio, (como sempre) por esse dom que você tem.
ResponderExcluirMuito bonito, fiquei emocionada.
ResponderExcluirPrezado Bráulio:
ResponderExcluirPegando o seu mote, peço perdão por vir com um assunto requentado de um texto seu da semana passada, talvez isso viole alguma ética não escrita das respostas e contra-respostas nos blogs. É sobre o seu texto que fala nas inteligências artificiais que um dia nos dominarão ou quem sabe já dominaram.
Será que as máquinas realmente teriam a intenção de nos controlar ou exterminar, mesmo que adquirissem consciência? De onde viria esse impulso? Seres biológicos obedecem a diretrizes muito definidas de sobrevivência e isso os leva a ocupar espaços, disputar alimentos, reagir a ameaças. Mas, no caso de uma mente inorgÂnica, o que a moveria? Linhas de programa? Será válido generalizar e afirmar que todo ser consciente apresenta impulso para sobreviver, mesmo que ele nunca tenha desenvolvido esse impulso em uma selva darwiniana? Como diria Freud, o que querem as máquinas? Carneiros elétricos? Eletricidade abundante? Acho mais provável que nos exterminassem como um efeito colateral involuntário, por uma lógica simplista de zero ou um. Ou por não compreenderem as nossas necessidades de coisas inúteis para elas como alimentos, água, ar.
Em geral não respondo comentários assinados "Anônimo", mas posso dizer que as Super-Inteligências Artificiais nada teriam contra nós, nem pódio, nem inimizade. Elas nos eliminariam quando começassem a cuidar de suas próprias necessidades, e precisassem, p. ex., impedir nosso acesso aos meios eletrônicos e à energia elétrica.
ResponderExcluir* "nem ódio, nem inimizade".
ResponderExcluirPrezado Braúlio:
ResponderExcluirObrigado pela resposta rapidíssima, e me perdoe pela gafe de não assinar o comentário.
Meu nome é Ricardo Martins, e sou um dos dinossauros do velho CLFC carioca.
Correndo o risco de ser chato, eu insistiria na questão das inteligências artificiais. Será que para elas cuidarem dos próprios assuntos não precisariam de um impulso de sobrevivência ou coisa que o valha, plantado por nós? Ou evoluiriam por conta própria, como naquele romance do Stanislaw Lem (O Invencível)?
Bem, reconheço que é um assunto amplo demais para este espaço. Mais uma vez, agradeço a presteza da resposta.
Um abraço,
Ricardo
Olá, Ricardo. Veja bem: não estou falando em "consequência inevitável", mas numa simples possibilidade de que isso aconteça. Quando construímos um prédio não pensamos no que vai acontecer com os formigueiros do local. Quem abre uma estrada não detesta necessariamente as árvores que está derrubando. Tipo isso. Atrapalhou? Elimina.
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