(Sidney Miller, Brasil - Do Guarani ao Guaraná)
“O mundo é um moinho” (Cartola), tocando no
rádio da prateleira do botequim quase deserto, na noite em que Vamberto fumou
um maço de cigarros, tomou oito uísques e ligou onze vezes para o celular de
Marlene, que só dava fora de área.
“Luzia Luluza” (Gilberto Gil), cantarolado
quase toda tarde por Soninha enquanto vende ingressos na bilheteria de um
multiplex, lembrando o primo que lhe mandou esse mp3 no dia em que soube onde
ela passaria a trabalhar.
“Stairway to Heaven” (Led Zeppelin) cantado
mais-ou-menos ao violão por um rapaz numa festa, e servindo de trilha sonora
involuntária para algo que acontecia num terraço próximo.
“Private Dancer” (Tina Turner), que quando
tocava nas festas Mariinha botava pra quebrar nas coreografias, sem entender
pirocas da letra.
“Alice’s Restaurant” (Arlo Guthrie), numa
versão em português, fidelíssima e aparentemente integral, que Laércio escutou
cantada no bar ao lado de um restaurante onde ele estava tendo a reunião de
trabalho mais crucial dos últimos dez anos, e viajou na manhã seguinte sem nem
saber quem era o cara.
“Puxando fogo” (Elino Julião), que lembrava
a Carlos sua infância, quando seus pais tinham uma barraca de bebida e
tiragostos, e de vez em quando, no domingo à noite, depois da saída do último
freguês, eles botavam essa música, dançavam os dois na barraca vazia, depois
desarmavam tudo e iam para casa na maior paz.
“Até pensei” (Chico Buarque), que tocava
numa loja de discos, fazendo Adalberto parar para escutá-la por três minutos,
findos os quais encontrou casualmente na calçada o Dr. Vieira que não via há
anos e que depois de uma boa prosa acabou por oferecer-lhe o emprego de que ele
tanto precisava.
“Rue Watt” (Boris Vian). Era (ele descobriu muitos anos depois) a
música-tema, ou, como se dizia na época, “a característica”, do melodrama rádio-folhetinesco
“A Bastilha do teu Coração”, onde sua mãe era locutora e atriz. Teve um choque
quando ouviu a música durante seu doutorado em Bardologia.
“Na Emenda” (Trio Nordestino),
impossivelmente escutado por Guilherme e Mariana em Amsterdam, da calçada,
vindo de um terceiro andar de uma casa desconhecida, numa noite de inverno
zero-graus, e que os consolou do frio, da distância, da nostalgia gastronômica
e de alguns desencontros da alma.