Tive uma idéia excelente para um conto policial. Eu sou,
aliás, o rei das idéias. Se fosse menos
preguiçoso, poderia até ter chegado a ser o rei dos contos policiais, mas
escrever, escrever mesmo, concretamente, é um trabalho braçal que às vezes
parece desnecessário, já que é tão mais fácil ter uma idéia atrás da outra,
sempre colocando uma pedra em cima da folha para que o vento não a leve, e
seguindo adiante. Basta abrir um arquivo, jogar um título, dar uma salvada
rápida... A vida não foi feita para se perder, nem o tempo para passar. A vida
tem mais é que ser pra sempre. O tempo tem mais é que descansar um pouco.
A idéia é: um sujeito é encontrado morto em seu escritório,
e tudo indica ser um suicídio. Ele escreveu um bilhete e explodiu a cabeça com
um tiro. O detetive examina o bilhete, que diz algo como: “Lamento por todos,
mas é o jeito”. O detalhe é que a história se passa nos anos 1980, num mundo
pré-computador, e o sujeito tem uma máquina de escrever elétrica. Essas
máquinas elétricas tinham dois tipos de fita: a de algodão (mais barata) e a de
polietileno. A de algodão rendia mais. Tal como as velhas fitas das velhas
máquinas mecânicas, era um algodão embebido em tinta que admitia várias
“passadas”, sendo que a cada passada a tinta ficava mais rala. Já a fita de
polietileno era uma faixa negra e estreita, em direção única, onde o martelinho
de cada letra cortava como guilhotina o formato exato de sua letra, e voltava
ao repouso enquanto a fita se movia meio milímetro de lado e aguardava a
próxima martelada.
Acho que não é preciso mais. Este conto devia ter sido
escrito quando essas coisas eram novas. Tudo tem que ser escrito enquanto as
coisas são novas. Quando a gente menos repara, as coisas envelheceram mais
rápido do que nós. A idéia era que o detetive examinasse o cartucho de fita de
polietileno, onde cada letra percute uma vez apenas, e reconstituísse na ordem
reversa das letras todas as palavras que tinham sido datilografadas naquela
máquina. E assim o detetive descobre que dois bilhetes de suicida haviam sido
escritos: o verdadeiro (que foi destruído), e o que tinha sido encontrado junto
ao corpo. Não houve assassinato, mas houve uma substituição de bilhetes (para
efeito de herança, etc.).
Achei boa a ideia! Mas não acredito ser tão relevante esse problema de anacronismo. A estória pede boas personagens, algo de relevante a dizer e confiança no leitor. Nossas próprias palavras se encarregam de datar o texto, dizer de onde ele veio. Se a narrativa tocar o leitor para além desse ponto técnico, sempre vai ser interessante para alguém. Ou talvez eu confie demais no interesse alheio.
ResponderExcluirEu mesmo vou lendo o romance,e espero o "Sherlock" me explicar no final.
ResponderExcluirMe lembrou uma história do Harry Stephen Keeler, chamada "O quarto Rei", em que uma espécie de máquina de escrever, o Dictatógrafo Shanks, é fundamental para entender os motivos de uma crime, aparentemente, sem solução.
ResponderExcluirEu sou fã de H S Keeler, mas não li essa história. Aliás, dá para ser fã dele sem nunca ter lido um livro dele até o fim.
ResponderExcluiradorei seu texto
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