sábado, 2 de novembro de 2013

3333) Pistas policiais (2.11.2013)




Tive uma idéia excelente para um conto policial. Eu sou, aliás, o rei das idéias.  Se fosse menos preguiçoso, poderia até ter chegado a ser o rei dos contos policiais, mas escrever, escrever mesmo, concretamente, é um trabalho braçal que às vezes parece desnecessário, já que é tão mais fácil ter uma idéia atrás da outra, sempre colocando uma pedra em cima da folha para que o vento não a leve, e seguindo adiante. Basta abrir um arquivo, jogar um título, dar uma salvada rápida... A vida não foi feita para se perder, nem o tempo para passar. A vida tem mais é que ser pra sempre. O tempo tem mais é que descansar um pouco.

A idéia é: um sujeito é encontrado morto em seu escritório, e tudo indica ser um suicídio. Ele escreveu um bilhete e explodiu a cabeça com um tiro. O detetive examina o bilhete, que diz algo como: “Lamento por todos, mas é o jeito”. O detalhe é que a história se passa nos anos 1980, num mundo pré-computador, e o sujeito tem uma máquina de escrever elétrica. Essas máquinas elétricas tinham dois tipos de fita: a de algodão (mais barata) e a de polietileno. A de algodão rendia mais. Tal como as velhas fitas das velhas máquinas mecânicas, era um algodão embebido em tinta que admitia várias “passadas”, sendo que a cada passada a tinta ficava mais rala. Já a fita de polietileno era uma faixa negra e estreita, em direção única, onde o martelinho de cada letra cortava como guilhotina o formato exato de sua letra, e voltava ao repouso enquanto a fita se movia meio milímetro de lado e aguardava a próxima martelada.

Acho que não é preciso mais. Este conto devia ter sido escrito quando essas coisas eram novas. Tudo tem que ser escrito enquanto as coisas são novas. Quando a gente menos repara, as coisas envelheceram mais rápido do que nós. A idéia era que o detetive examinasse o cartucho de fita de polietileno, onde cada letra percute uma vez apenas, e reconstituísse na ordem reversa das letras todas as palavras que tinham sido datilografadas naquela máquina. E assim o detetive descobre que dois bilhetes de suicida haviam sido escritos: o verdadeiro (que foi destruído), e o que tinha sido encontrado junto ao corpo. Não houve assassinato, mas houve uma substituição de bilhetes (para efeito de herança, etc.).

E se a solução de um mistério detetivesco dependesse do criminoso (e o leitor, por tabela) entender o funcionamento e a estrutura de um candeeiro de querosene, ou de um alambique, ou de um moinho dágua? Quantas pessoas no mundo sabem como essas coisas funcionam? É duro repousar toda a trama de um mistério na chance de o leitor ter familiaridade com um detalhe técnico em vias de extinção.


5 comentários:

  1. Achei boa a ideia! Mas não acredito ser tão relevante esse problema de anacronismo. A estória pede boas personagens, algo de relevante a dizer e confiança no leitor. Nossas próprias palavras se encarregam de datar o texto, dizer de onde ele veio. Se a narrativa tocar o leitor para além desse ponto técnico, sempre vai ser interessante para alguém. Ou talvez eu confie demais no interesse alheio.

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  2. Eu mesmo vou lendo o romance,e espero o "Sherlock" me explicar no final.

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  3. Me lembrou uma história do Harry Stephen Keeler, chamada "O quarto Rei", em que uma espécie de máquina de escrever, o Dictatógrafo Shanks, é fundamental para entender os motivos de uma crime, aparentemente, sem solução.

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  4. Eu sou fã de H S Keeler, mas não li essa história. Aliás, dá para ser fã dele sem nunca ter lido um livro dele até o fim.

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