sábado, 5 de outubro de 2013

3309) Escritores duplos (5.10.2013)




(Cortázar em Paris, 1969)



Ter duas pátrias é como ter duas namoradas: por mais que a gente faça por uma, ela sempre vai achar que a gente faz mais pela outra. 

Quando um escritor tem dupla nacionalidade (seja oficialmente, seja por circunstâncias de vida), tem a chance de entrar para a história das duas literaturas, mas também corre o risco de virar uma nota de rodapé em ambas, se cada uma achar que ele deu mais atenção ao seu outro país de escolha.

Estou me referindo a autores que viveram intensamente duas culturas, não aos exilados ou aculturados. 

Joseph Conrad largou a Polônia onde nasceu, tornou-se marinheiro, acabou sendo um escritor inglês na Inglaterra; não creio que alguém possa considerá-lo um autor polonês, pois me parece que produziu pouco ou quase nada em seu idioma natal. (Conrad é também um caso de autor que tornou-se mestre numa língua que não era a sua, como Nabokov.) 

Caso parecido é o de Isaac Asimov, que nasceu russo por acaso, e é o mais norte-americano autor que alguém pode imaginar. Nada há de russo nele – embora haja muito em Nabokov, muito de russo aristocrata, cosmopolita, que aceitou viver nos EUA por falta de coisa melhor no mundo.

Dupla nacionalidade mesmo é um caso como o de Henry James, T. S. Eliot, John Dickson Carr e outros que durante a vida inteira oscilaram entre serem norte-americanos e serem ingleses. Essa capacidade de ver pelo lado de dentro duas culturas “separadas por um idioma” forneceu grande parte da força da obra deles.  

No caso da literatura lusófona, tenho a impressão de que figuras tão diferentes quanto Gregório de Matos e o Pe. António Vieira deveram igualmente às duas margens do Atlântico.

Mas os exemplos dos parágrafos acima tratam de escritores trafegando em dois países e um só idioma. No caso de Júlio Cortázar, ele foi um argentino que se refugiou em Paris aos 37 anos e de lá não mais saiu – mas continuou escrevendo em espanhol até o fim da vida, fazendo exatamente o contrário do que fez Conrad. E não por falta de opção, pois seu francês era impecável e ele ganhava a vida como tradutor da Unesco. 

Houve uma certa insatisfação na Argentina quando ele recebeu algumas honrarias na sua pátria adotiva (cidadania francesa, p. ex.), mas isso provavelmente está ligado à política – Cortázar sempre foi de esquerda, e era criticado em seu país por apoiar os regimes de Cuba e Nicarágua. 

Sua condição binacional está lindamente expressa na raiz do conto “O outro céu” (em Todos os fogos o fogo, 1966), em que o protagonista se alterna entre Paris e Buenos Aires simplesmente entrando numa galeria que fica numa cidade e saindo, na extremidade oposta, noutra galeria que fica na outra.








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