Seu Claudionor ajeitou o boné, limpou as sobrancelhas e
olhou de novo o relógio de pulso. Quase meio-dia e o ônibus das onze, que
passava ali onze e meia, estava atrasado. Sentado no tronco, ele puxou mais uma
vez a maleta para perto de si, embora estivesse sozinho na beira da estrada, à
sombra de uma mangueira. No sábado e na quarta aquela estradinha tinha um movimento
danado, mas em dia comum era um eterno problema. Seu Claudionor olhou a cerca
às suas costas, e por trás dela a pastagem que se estendia em colinas bem
verdes sob um céu bem azul, parecendo uma foto que tinha no computador do filho
dele.
De repente ele deu um pulo, porque ouviu um barulho atrás,
como uma coisa se dilacerando, só que muito alto, alto mesmo, como uma vez que
ele ia passando do lado daquelas caixas pretas depois de deixar as sobrinhas
num show e partiu dali um guincho indescritível que o deixou quase surdo uma
semana, um problema médico que o namorado da sobrinha lhe explicou depois
chamar-se microfonia. E viu que junto com o ruído às suas costas a paisagem
colorida se rasgava, verticalmente se dilacerava, abrindo uma obscena boca vertical
alargada à força, com emprego de músculos e de puxões, por dois homens que
pareciam passar através dela, cruzá-la, até tombarem os dois quase desfalecidos
a três metros de distância.
E pela fresta saía uma luz escura, uma tenebrosidade de
treva reluzente, mas era possível avistar por trás uma parede de coisas como
massas moventes cobertas de sinais coloridos em líquido cristal. Os dois homens
vestiam roupas resistentes e (Seu Claudionor só então percebeu) capacetes
transparentes que cobriam o crânio e o rosto com uma folga interna de um
centímetro. Tiraram os capacetes, sem olhar para Seu Claudionor. “Eu lhe disse
que se aumentasse demais ia romper a película, e olha aí o que você aprontou,”
disse um. E o outro: “A medição disse que podia. O que fazemos agora?”. O outro
deu um tapinha na palma da mão esquerda, leu alguma coisa nela. “Temos que
esperar quase dois minutos, até que ela se recomponha.” Ergueram os dois o olhar. “Tem um nativo
aí.” “Fornique-se o nativo. Valem menos que um algoritmo em alta.”
Imaginei esse conto como se fosse uma tirinha do Moebius.
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