terça-feira, 9 de julho de 2013

3233) Baleia na Flip (9.7.2013)






Ela se esgueira por entre as pernas da multidão e passeia encantada com tantas luzes e cores. Entende que está havendo festa, e quer participar. Aqui e ali jogam-lhe um osso de galinha, um resto de hot-dog que ela abocanha antes que chegue ao chão. Passa invisível e célere, vendo tudo com olhos compreensivos. 

Vê madames grisalhas com xales e chapéus de palhinha enfeitados de flores, fotografando os barcos a oscilar no rio. Jovens casais de mãos dadas e olhares paralelos. Vendedores de churros e de cordéis. Músicos de rua tentando tocar mais alto do que a algaravia dos grupos que passam diante deles e sorriem sem escutá-los. 

Baleia ergue as orelhas e recebe a música; entende o riso largo no rosto do rapaz cabeludo, de chapéu, cigarro oblíquo na boca. Ela sabe quando alguém está feliz.

Baleia vai se esquentar na banda ensolarada da Praça da Matriz, a meia distância das pessoas de papelão colorido penduradas em arames, dos pés-de-livros. Passam professoras tangendo bandos de crianças rumo a um circo azul. Homens rosados, de barbas muito brancas, caminham devagar, sempre sorrindo, principalmente quando falam sozinhos segurando algo junto à orelha. 

Na ponte embandeirada, grupos se cruzam indo e voltando, apontando para coisas que Baleia procura em vão com seus olhos obedientes. Um estralejar de rojões bem perto a faz dar um pulo e sumir correndo por entre as tendas de doce e de pipoca.

Agora é de noite. As ruas estão escuras e brilhantes, os restaurantes estão mais cheirosos, o movimento aumentou. Já não se ouve o cloc-cloc das charretes com seus cavalos imprudentes que não respeitam o direito de ir-e-vir dos cães. 

A música recrudesceu, e Baleia já sabe que onde músicas são tocadas paira uma exaltação boa e as possibilidades de osso de galinha aumentam. Ela cruza a ponte. Para diante da entrada de uma tenda gigante, cavernosa, onde ressoam vozes pausadas e cultas através de alto-falantes. Todos os dias os humanos, sempre tão agitados, se organizam em filas pacientes para ter acesso ao que ocorre lá dentro.

Baleia vai, vem, ilude uma mosca grandona que lhe persegue o focinho, senta-se alerta olhando a grande parede ocre coberta de sinais. Ela tem hoje os ouvidos cheios de canções e de conversas. 

Seus olhos estão acostumados a ver aquelas formiguinhas pretas inscritas por toda parte, e percorrem aquelas linhas, cujo sentido está quase ao seu alcance, até que se detêm na derradeira palavra. Um frêmito atávico, genético, ativado por milênios de simbiose, relampeja em seus neuroniozinhos e Baleia assoletra: “P-r-e-á-s...”. Preás! Sua cauda sorri de reconhecimento. Preás! A vida presta.







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