(by Gabriel Tavares)
Sua lâmina era capaz de passar pela asa de um beija-flor em
pleno voo sem tocá-la. Seus olhos eram
capazes de dizer quantos grãos havia num punhado de sal. A chuva o fustigava
sem enfraquecê-lo, o sol do deserto colidia com ele e recuava. Ao longo das
Sete Ilhas, e das encostas do Monte Kuju até a baía de Wakaba, até as crianças
reconheciam ao longe seu vulto magro e hirsuto, mas eram poucos os que sabiam o
som da sua voz. Caminhava devagar como alguém que reduz o passo ao se aproximar
do lugar para onde se dirige. Dizia-se dele que seus olhos brilhavam no escuro;
que era capaz de passar um ano sem comer; que comandava as mulheres e os
animais com o pensamento.
Uma crônica da Casa de Kenji relata um episódio provavelmente
veraz de seu passado: que teria sido o causador (por arrogância e um erro de
cálculo) da morte de alguém de sua família. Desde esse dia, jurou viver como um
misto de mendigo e monge. Lutou por seis anos para o clã dos Hashikaya e
aceitava como pagamento apenas um pão por dia. Data dessa época a lenda de que
jamais dormia. Pode ser um exagero
causado pelo seu hábito de a qualquer hora do dia ou da noite estar em campo
aberto, de espada em punho, treinando combinações complexas de aparas e de
estocadas, ou postado imóvel sob uma árvore, aguardando a queda de alguma folha
seca para seccioná-la no ar. “Ele não dorme”, diziam os guerreiros, e os velhos
murmuravam (e as mulheres e crianças repetiam): “Quem não dorme é porque não
morre”.
As crônicas do período Edo registram fatos como a batalha de
Kan-Chi, em que ele sozinho bloqueou um exército no meio de uma ponte por uma
manhã inteira, até a chegada de reforços.
Contam como ele travou duelos pessoais, em dias sucessivos, contra oito
espadachins do clã Hinoruke, abatendo-os um a um; como, sem escudo no campo de
batalha, sua espada veloz rebatia as flechas disparadas contra seu corpo.
Durante os combates, não rugia nem blasfemava como a maioria dos soldados;
executava seus gestos com a energia vibrante de quem dança, e com o olhar meio
ausente de quem confere uma conta.
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