Uma
crônica começa a se desenrolar meio preguiçosamente. Precisa apenas de um fio
de assunto, que pode ser encontrado num olhar pela janela, numa consulta à
estante, na lembrança de um episódio da véspera ou mesmo no mergulho vagaroso
em busca da raiz de um sentimento, como quando reagimos diante de um fato e
mais tarde estranhamos nossa própria reação.
Começa então aquele tatear de
possibilidades, um jogo de redigir frases simples mas que nos deem a sensação
de que uma pedra foi removida. Começa assim a crônica, frases intangíveis
removendo pedras pesadas; ou então, quem sabe, como uma pérola ao contrário, um
grão de areia que se abre e revela estar cheio de madrepérola por dentro.
Claro
que tudo depende da paleta verbal do autor, e até de sua disposição naquele dia
– a direção para onde ele foi virado pelos ventos da vida à sua volta.
A
crônica deve ter esse nome porque depende do Tempo, é um jogo de búzios verbais
lançados pelo Tempo. Só poderia ser escrita assim hoje, porque amanhã os
ingredientes já teriam sido outros, mesmo que o projeto original fosse o mesmo.
A crônica não se sente obrigada a contar uma história. A história será bem
recebida, se brotar alguma história no decorrer do processo; é uma convidada
bem vinda, mas, se não aparecer, a festa acontece do mesmo modo.
O
cronista é como um catador de lixo da História, ele procura o que não foi
aproveitado, o que passou despercebido, o que ninguém se atreveu a comentar, o
que não mereceu atenção, o que foi enxergado apenas por um lado, o que passou em
branco, o que entrou pra lista negra, o que nos relatos oficiais ficou meio com
uma cor-de-burro-quando-foge.
Por outro lado, comparado aos autores de imensos
murais realistas, o cronista é um cartunista, que em dois-três rabiscos resume
uma vida anônima, um sentimento eterno, uma Revolução.
Não pode ser definida pela sua temática, nem pela sua extensão,
nem pela sua estrutura interna, nem pela emoção que provoca ou pela estante
onde é colocada. Talvez seja a primeira das formas literárias, antes do Big
Bang que a explodiu em gêneros; talvez seja a última, para onde fluíram todas
as anteriores, a que aprendeu com todas e de todas pega algo emprestado. É a
aluna prodígio da primeira fila, sempre atenta e sempre ligada, de óculos e sem
calcinha.
Muito bom o texto Braulio!Parabéns. Até me inspirou a tentar olhar melhor as coisas do meu dia a dia rs
ResponderExcluir