terça-feira, 8 de janeiro de 2013

3077) "Estrela Distante" (8.1.2013)






Este romance curto de Roberto Bolaño (1996) saiu pela Companhia das Letras e depois (a edição que tenho) na coleção da Folha de S. Paulo de capa dura, vendida nas bancas. O autor explica, numa nota inicial, que é uma expansão do último capítulo de seu A Literatura Nazista na América, coletânea de contos sobre escritores imaginários, um exercício meio borgiano em que Bolaño imagina toda uma fauna de nazistas, fascistas e simpatizantes da direita em geral, produzindo poesia, romance e até mesmo ficção científica no continente americano. O autor dedicou-se a expandir a história daquele último personagem, transformado aqui em Carlos Wieder, tenente da força aérea chilena, torturador, serial killer, que se infiltra como espião em grupos de poesia de vanguarda.

Essas biografias fictícias são o espaço ideal para Bolaño desenvolver sua prosa, jornalística no que este termo tem de melhor. Descrições breves e vívidas, com mergulhos ocasionais e surpreendentes na subjetividade do narrador, que na maior parte do tempo está apenas reconstituindo e comparando suas próprias lembranças e as lembranças alheias. Como em Os Detetives Selvagens (http://bit.ly/WnNhCq), Bolaño monta o mosaico do personagem de fora para dentro; não temos acesso à consciência de Wieder, e na verdade pouquíssimas falas suas são reproduzidas. Vemos o monstro pelo lado de fora, pelos relatos de como ele cruzou na vida de numerosas pessoas. Se bem que o narrador de Bolaño ousa descrever (sob o pretexto de estar supondo, estar imaginando como as coisas aconteceram) até mesmo um dos mais arrepiantes crimes do chileno.

Wieder é um criminoso que incomoda até os fascistas. O capítulo 6 narra o episódio em que ele cai em desgraça dentro do regime Pinochet, pela sua ousadia, crueldade e morbidez desafiadora. Lembra o nazista culto do conto “Deutsches Requiem” de Borges; lembra por outro lado o personagem de Dirk Bogarde no filme O Porteiro da Noite de Liliana Cavani. Tem a serenidade dos psicopatas movidos a certeza: “dominante, seguro, os olhos como que separados do corpo, como se olhassem a partir de outro planeta”. O narrador do livro (um possível Bolaño que jamais diz o próprio nome) cita um oficial de Pinochet para quem Wieder “não fez mais do que aquilo que todos os chilenos tiveram de fazer, deveriam ter feito ou quiseram mas não puderam fazer”. Na terrível reta final, o narrador diz: “Esta é a minha última transmissão a partir do planeta dos monstros. Não mergulharei nunca mais no mar de merda da literatura. De agora em diante, escreverei meus poemas com humildade e trabalharei para não morrer de fome e não tentarei publicar nada”.



4 comentários:

  1. Na mesma linha também a personagem Max Aue, do romance "As Benevolentes", de Jonathan Littell. O nazista culto, capaz dos maiores sadismos e cultor do humanismo mais elevado. Casado, mas deixando-se seduzir vez por outra por homens, como se toda a sua vida fosse como uma "matroschka", essas bonecas russas ocas contendo outras bonecas no seu interior. A mim pareceu um personagem artificial, de falsa densidade, um teia de símbolos: um arquétipo burguês para consumo de um público específico, que se pretende de gostos refinados. Não li o livro de Bolaños, então não posso me manifestar se nele se dá este tipo de leitura. Todo caso, não consigo deixar de tecer paralelos entre estas literaturas de tipos incomuns e a literatura de fim de século como a de Huysmans, com suas personagens auto-centradas, obsessivas e amorais. Literaturas autorreferentes, nadando em metalinguagens que se pretendem cifradas, para poucos. Taí, vou visitar Bolaños.

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  2. Procure "A literatura nazista na América", um conjunto de biografias fictícias de autores imaginários. Não sei se foi traduzido aqui.

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  3. Comprei. Em espanhol mesmo, não encontrei traduzido. Mais uma vez, obrigado.

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