(Hatsune Miku)
Ela é projetada no palco à frente da banda, que são músicos
de carne e osso, tocando instrumentos de verdade. Ela, a estrela, é feita do
que parecem ser feitas as estrelas: luz, vibrações, campos de energia que
produzem em 3-D a silhueta de uma lolita nipônica cantando uma mistura de
holo-karaokê com visual de hentai preteen. Na platéia, os teens analógicos
pagam ingressos, compram bonecos, escrevem fanfic, compõem muitas das canções
que ela canta no show. É um show
interativo, um mega-game em que você vê no palco algo que foi em parte criado
por você.
É uma coisa parecida com os Gorillaz, a banda cujos
personagens só existiam em desenho animado, e a música era cantada e tocada por
músicos atrás de uma cortina, ou coisa parecida. É o caso de Rei Toei, a
“idoru” pop de William Gibson, cujo ser holográfico não se limitava ao palco,
mas frequentava restaurantes, dava entrevistas em público. Interativa.
Alumiosa.
É assim que um homem a vê pela primeira vez: “E então os
olhos dela encontraram os de Lanney. Foi como se ele cruzasse uma linha. Na
estrutura do rosto dela, na geometria de ossos que o moldava, estavam
codificadas histórias de fugas de dinastias inteiras, e privações, e migrações
terríveis. Ele viu lápides funerárias nas escarpas de prados alpinos, com neve
em fileiras sobre os seus lintéis. Uma fila de pôneis, hirsutos, o seu bafo
branco e gelado, seguindo em trilha no alto de um canyon. As curvas do rio lá embaixo eram riscas
distantes de prata. Chocalhos de ferro
balançando nas rédeas, espalhando um clangor ao por-do-sol. Lanney estremeceu.
Sentiu na boca um gosto de metal estragado”.
Por trás da mulher holográfica capaz de ter um olhar assim,
existe tecnologia. O mesmo homem reflete depois: “Ela não é de carne, é de
informação. Ela é a ponta de um iceberg, não, de uma Antártica de informação.
(...) Ela induzia a visão nodal de uma maneira nunca vista; ela a induzia como
narrativa”. O olhar eletrônico dela é um
teste de Rorschach subliminar, infravisível, capaz de bombardear uma descarga
de ícones instantâneos bem na medula do inconsciente.
Interessante perceber como, mesmo sendo virtual, a estrela consegue suscitar, da plateia, reações como quando diante de uma genuína popstar. Talvez isso seja explicado porque o humano está por trás da tecnologia. Aliás, não consigo dissociar a tecnologia do componente humano e de suas motivações humanas.
ResponderExcluirQualquer criação estética humana pode receber em si a projeção de emoções e imaginações humanas, desde que no contexto apropriado. Na verdade, o ser humano vive à procura de imagens onde projetar significados.
ResponderExcluir