Fantasmas não existem num plano ultraterreno, invulneráveis
ao tempo. A prova disso pôde ser
constatada na casa de D. Rigoberta Agra, na av. Floriano Peixoto, perto da
catedral. É uma das primeiras mansões “art-nouveau” da cidade, construída na era
opulenta do algodão.
Ali morreu de uma febre, com três anos, o pequeno Gilbertinho – um golpe que abalou e finalmente dispersou a família. D. Rigoberta foi a primeira a avistá-lo, anos depois, brincando com soldadinhos invisíveis num canto do salão. Correu para abraçá-lo e desmaiou.
Ali morreu de uma febre, com três anos, o pequeno Gilbertinho – um golpe que abalou e finalmente dispersou a família. D. Rigoberta foi a primeira a avistá-lo, anos depois, brincando com soldadinhos invisíveis num canto do salão. Correu para abraçá-lo e desmaiou.
As aparições se sucederam
numa média de duas ou três por ano. A arrumadeira, D. Lígia, o avistou um dia
entretido com um livro de Monteiro Lobato. Aprendera a ler sozinho. Viram-no
depois de calção, chutando recursivamente uma bola de encontro à parede dos
fundos. Nunca conseguiram aproximar-se dele, que desaparecia.
Foram rezados terços e novenas, foi aspergida água benta,
mas D. Rigoberta afirmava que o menino era feliz; deixassem-no viver em paz os
pedacinhos daquela vida que lhe coube.
Gilbertinho continuou crescendo; em breve já era um rapaz, sentado pensativo sobre a balaustrada. Gostava de observar o ir e vir das pessoas rumo à esquina da Maciel Pinheiro, e não perdia o corso durante o carnaval. Jamais transpunha os limites da mansão, onde parecia residir a fonte oculta de força que o mantinha. D. Rigoberta faleceu, e à saída do féretro Gilberto, nessa época já de bigode, foi visto por trás da janela do segundo andar.
Gilbertinho continuou crescendo; em breve já era um rapaz, sentado pensativo sobre a balaustrada. Gostava de observar o ir e vir das pessoas rumo à esquina da Maciel Pinheiro, e não perdia o corso durante o carnaval. Jamais transpunha os limites da mansão, onde parecia residir a fonte oculta de força que o mantinha. D. Rigoberta faleceu, e à saída do féretro Gilberto, nessa época já de bigode, foi visto por trás da janela do segundo andar.
A casa ficou com outro neto, Valfredo, quando este casou com
Silvana. Em algumas cartas ele mencionou que Gilberto agora dava preferência
aos quartos de hóspedes, eternamente vazios, e opinou que a presença humana o
incomodava.
Percebeu também que Gilberto trajava roupas de acordo com o figurino do momento, e teorizou (gostava de ler teosofia, ocultismo) que a aparência física de um fantasma é criada por nós mesmos, com farrapos de memória, quando sentimos sua presença – que é necessariamente imaterial e invisível. “Gilberto está aqui, mas a imagem que percebemos só existe em nós, como as cores do arco-íris”, afirmou ele numa palestra que fez no Encontro Para a Nova Consciência.
Percebeu também que Gilberto trajava roupas de acordo com o figurino do momento, e teorizou (gostava de ler teosofia, ocultismo) que a aparência física de um fantasma é criada por nós mesmos, com farrapos de memória, quando sentimos sua presença – que é necessariamente imaterial e invisível. “Gilberto está aqui, mas a imagem que percebemos só existe em nós, como as cores do arco-íris”, afirmou ele numa palestra que fez no Encontro Para a Nova Consciência.
De acordo com os registros da família, a última pessoa a avistá-lo foi a filha do casal, Thayssa, que o viu várias vezes cochilando sentado na grama do jardim, entre as flores. O mesmo lugar onde perdura hoje, principalmente ao anoitecer, uma luminosidade sem forma, pairando como um fogo-fátuo ou como o reflexo, numa vidraça distante, de um sol que já se pôs.
Conto maravilhoso!
ResponderExcluirConto sensacional!
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