quinta-feira, 23 de agosto de 2012

2957) Um suicídio por dia (23.8.2012)




A revista Time deu matéria de capa sobre este assunto, com o ominoso título de “One a day”, um por dia.  É o número de suicídios entre os militares norte-americanos envolvidos na guerra do Afeganistão e do Iraque.  Em meses recentes, essa impressionante estatística atingiu uma marca cruel e irônica: o número de soldados norte-americanos que se mataram superou o número dos que foram mortos pelas tropas inimigas.  Não há como não pensar na famosa frase dos quadrinhos de Pogo, desenhados por Walt Kelly: “Encontramos o inimigo, e ele é nós”.

A vontade de morrer é uma companheira perigosa da vontade de matar, e na guerra muitas vezes não se sabe qual das duas pesou mais num suicídio assim. Não falta quem faça uma leitura moral, aludindo ao remorso, ao complexo de culpa, à auto-punição por estar combatendo um combate com o qual não concorda.  Isso pode pesar em alguns casos, mas há outros em que visivelmente o soldado sentia-se justificado por estar cumprindo seu dever, não tinha problema algum quanto às razões da guerra, seu problema era simplesmente não saber o que fazer durante a paz.

Famílias recebem apoio de psicólogos e elaboram cartilhas (http://healthland.time.com/2012/07/12/military-suicide-help-for-families-worried-about-their-service-member/) para acompanhar e interpretar as atitudes do ex-soldado. Durante a readaptação à vida civil, eles são analisados em busca de sintomas de depressão, ansiedade, agressividade, uso de bebida, pessimismo, etc.  Eles foram à guerra, conheceram meses ou anos de inferno, e voltaram.  Muitos são rapazes simples, caipiras bem intencionados, ou sujeitos num beco sem saída; viveram intensamente aquele pesadelo, mas não são capazes de criar uma moldura confortável de conceitos que justifique tudo que experimentaram.  Não adianta falar somente na honra do país ou na defesa da democracia.  Seria preciso encontrar um conceito de país ou de democracia que incorporasse os fatos que ele testemunhou; mas ele não consegue produzir essa concatenação, e sua cabeça entra em parafuso.

E não devemos esquecer que Iraque e Afeganistão são dois dos lugares habitados há mais tempo pelo ser humano. Países cuja história ainda é contada pelo seu passado. O que existe ali de lendas, feitiços, criaturas mitológicas, pragas e maldições, encantamentos, lugares ominosos... Mais do que a guerra de armas de fogo trava-se ali uma guerra psíquica contra entidades que presidem aquela parte do mundo, os enormes deuses com cabeça de fera que reduziram à animalidade o orgulho de Nabucodonosor.  Não é preciso ser Stephen King ou Lovecraft para imaginar o verdadeiro combate que se trava ali.

4 comentários:

  1. Este final me fez lembrar do Apocalipse Now.

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  2. O título é realmente funesto; se bem que, em se falar de guerra, o que não o é? Foram-se os tempos em que morrer pela pátria instituía os indivíduos de honra e coragem. Hoje é bem mais comum morrer por tentar fujir dela; e não por combater nela. Isso faz-me lembrar o artista ultra-romântico e seus escapismos, embora os soldados das palavras sejam mais engenhosos do que os soldados das armas.

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  3. é um caso muito complicado, eles mandam esses garotos cheirando a leite para a guerra, pobres crianças.

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