O filme Xingu de Cao Hamburger faz um resumo-do-resumo da
carreira dos irmãos Villas Boas, compactando em uma hora e meia algumas décadas
de atividade dos indigenistas que criaram o Parque Nacional do Xingu. Não sei os detalhes nem conheço os episódios
específicos da história dos Villas-Boas (muito bem interpretados por João
Miguel, Felipe Camargo e Caio Blat), então não posso avaliar o quanto o filme é
fiel à história em que se inspirou. O desafio de um filme assim é comprimir
décadas inteiras de expansão fundiária, massacres, aculturações, políticas
governamentais, etc. numa história que interesse e emocione o público. Os
Villas-Boas têm a vantagem de serem três, o que gera uma dinâmica emocional
interna. Seus entreveros pessoais e ideológicos são contrabalançados pela forte
solidariedade entre irmãos que se gostam.
Noel Nutels (que aparece no filme, numa pequena ponta)
ironizou certa escola de antropólogos chamando-os de “gigolôs dos índios”. São
aqueles antropólogos que não se interessam pelos índios como pessoas, e sim
como meros pretextos para uma tese de doutorado. Um objeto de estudo,
distanciado, humanamente neutro. O oposto disso são os indigenistas como
Rondon, Nutels e os Villas-Boas, que se envolviam com os índios (e as índias),
criavam laços de amizade pessoal.
Relações assim são sempre sujeitas a distorções, mal entendidos,
aproveitamentos recíprocos, e a todas as rusgas, rivalidades, pequenas traições
e pequenas agressões que marcam a convivência profunda entre pessoas. Os três irmãos, no filme, encarnam em
diferentes momentos estágios diferentes desse grau de compromisso, que mistura
erros e acertos.
Os Villas-Boas diziam: “Se a civilização vai fatalmente
alcançar os índios, por mais longe que eles se escondam, é melhor que antes
dela cheguem pessoas dispostas a minimizar essas perdas”. A criação do Parque Nacional do Xingu em
1961 foi uma salvação provisória para algumas nações; outras reservas foram
estabelecidas, mas mesmo estas continuam sob ameaça permanente. Os índios brasileiros vivem uma situação de
ficção científica, a de um povo que de
repente se vê invadido por uma raça alienígena, poderosa, implacável, que pensa
somente em si e que está disposta, mediante “ardis e violência”, como dizia
Darcy Ribeiro, a se apossar se suas almas mediante uma “catequese feroz”, dos
seus corpos (como instrumento de trabalho) e de suas terras. Talvez o desastre
seja inevitável, e o efeito positivo de ações como as dos Villas-Boas consiga
atrasar o processo em meio século apenas. Não dá para saber ainda. O filme de Cao Hamburger é um pequenino
trecho de uma história maior que ainda não acabou.
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