Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
quinta-feira, 24 de novembro de 2011
2721) A morte da menina (23.11.2011)
No século 19, grande parte da literatura popular era publicada em folhetins, aqueles rodapés dos jornais diários, em forma de narrativa seriada. Todo dia, ou toda semana, conforme o caso, saía mais um capítulo da história. O leitor recebia o jornal em casa, se fosse assinante; ou ia até a banca para comprá-lo. Exatamente como hoje. E nesse contato diário com o jornal ele ia, entre outras coisas, acompanhando aventuras policiais, de capa-e-espada, melodramas sentimentais ou dramas familiares.
O folhetim era mais típico da França, mas foi Charles Dickens o grande folhetinista inglês, e um dos maiores de todos os tempos. A maioria dos seus romances foram publicados primeiro assim, como folhetins serializados, que os leitores corriam a comprar assim que o jornal saía às ruas. Um desses romances foi A Velha Loja de Curiosidades (1840-41), do qual se conta a seguinte história.
A protagonista é Nell, uma órfã de bom coração que vive perseguida pelas piores adversidades, como é de praxe no gênero. Todo mundo se comovia com a bondade da menina, os sacrifícios que era obrigada a fazer, e a doença que ia minando sua resistência, fazendo todo mundo ficar temeroso pela sua vida. Os jornais com a história de Nell vinham de navio da Inglaterra para os EUA. Cada navio trazia um pacote de jornais com novos capítulos da aventura. E a ansiedade dos leitores era tanta que, reza a lenda, quando um desses navios chegou ao porto de Nova York os marinheiros no convés viram lá embaixo, no cais, uma multidão de gente se espremendo, se empurrando, e gritando para eles no navio: “A menina morreu?...”
A ansiedade em saber o que acontece num folhetim (e a telenovela cumpre hoje a mesma função) impedia os leitores de ficarem em casa, esperando que o jornal fosse enfiado por baixo da porta. Não, eles trocavam de roupa, pegavam um tílburi ou um cabriolé (sei lá o que servia de táxi naquele tempo) e iam até o cais do porto no dia e hora previstos para a chegada do navio. E o grito coletivo da multidão mostrava que todos supunham, provavelmente com razão, que a tripulação do navio já tinha lido os episódios mais recentes e sabia o desfecho da história.
Hoje, lemos nas revistas os resumos de todos os capítulos de novelas que irão ao ar durante a semana. O suspense novelesco cumpre duas etapas. Primeira, sabermos “se a menina morreu”. Segunda, saborearmos, munidos desse conhecimento, cada momento de drama, cada diálogo sentimental, cada arroubo dos atores. Temos primeiro a notícia da cena (a fruição do enredo) e depois a cena em si (a fruição do estilo). Não são emoções contraditórias; são complementares.
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