quinta-feira, 24 de novembro de 2011

2720) O mar e o sertão (22.11.2011)




Glauber Rocha popularizou a frase “O sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão”. A linguagem profética é um subgênero da poesia. Uma linguagem em tom elevado, usando imagens vívidas num contexto paradoxal que pode ser interpretado de mil maneiras diferentes. 

Há uma forte interpenetração entre profecia e poesia. Aí estão livros como Mensagem de Fernando Pessoa, as visões versejadas do sapateiro Bandarra, as Centúrias de Nostradamus. 

As profecias das bruxas de Macbeth, da pitonisa de Delfos, ou dos sermões de Antonio Conselheiro compartilham essa linguagem. Estamos sempre a um passo de entendê-la por completo, e ela sempre nos escapa por um pouquinho. E cada fato que acontece diante dos nossos olhos parece confirmar, de um modo diferente, essas visões. 

Minha profecia predileta ainda é a do Padre Cícero: “Vai chegar o tempo em que a roda grande vai passar por dentro da roda pequena”. A frase de Deus e o Diabo na Terra do Sol também traz embutida em si essa promessa de que o mundo sofrerá mudanças radicais – promessa, aliás, que é a mercadoria mais vendida pelos profetas de todos os tempos. 

Essa troca de posições entre o mar e o sertão parece também se harmonizar com o que a ciência nos diz sobre a forma antiga dos continentes. Havia o tal de Gonduana em que a América do Sul se encaixava no “sovaco” da África como duas peças de quebra-cabeças. Dizem meus amigos cearenses que as palavras atuais “Ceará” e “Saara” vêm de uma mesma palavra remota, que preservava a lembrança de quando essas duas regiões eram uma só, antes da separação dos continentes. 

Glauber nos fez imaginar um sertão sendo invadido pelos tsunamis torrenciais produzidos pelo efeito estufa e pelo degelo dos polos, enquanto por uma descompensação geológica qualquer o leito do oceano ficaria exposto ao sol, o plancto ressecando em rochas indestrutíveis. 

Mas talvez o sentido da profecia não esteja em “virar a moeda” de quem está quieto, no caso o Oceano Atlântico. Ela se refere somente ao sertão. Visitem o Cariri cearense, a feira de Juazeiro, vejam aquelas pedras fósseis com esqueletos de peixe, achadas nas regiões caririzeiras mais áridas. O sertão pode virar mar porque naquele mesmo local existia um mar que virou sertão. 

O que esteve submerso um dia, e hoje não passa de um raso requeimado pelo sol, pode ser submerso de novo. O oceano talvez se detenha diante do Arquipélago da Borborema, rodeando-o. Os peixes encravados nas pedras do Juazeiro abrirão os olhos, abrirão as guelras e voltarão a nadar nas suas águas antiquíssimas. O sertão é uma mera fase entre dois momentos do mesmo mar oceano. Quem sobreviver, verá.






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