Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
quinta-feira, 20 de outubro de 2011
2691) O ouvinte secreto (19.10.2011)
(detalhe do manto do rei Prempeh)
Esta história está contada com detalhes, e belas ilustrações, por David Apatoff, no saite “IllustrationArt” (http://bit.ly/po6IvV). Quando os ingleses derrubaram o império Ashanti, na África, impuseram ao rei derrotado uma série de condições humilhantes. Um dos oficiais ingleses era o coronel Baden-Powell (cujo nome foi herdado pelo violonista brasileiro). Em suas memórias, Powell conta: “Aquilo foi um grande golpe para o orgulho e a auto-estima dos Ashanti. Após a derrota, veio a exigência de pagamento de indenizações pela guerra. O rei Prempeh constatou que poderia dar aos ingleses apenas a vigésima parte do que lhe foi exigido, e recebeu a notícia de que seria levado prisioneiro, junto com sua mãe e seus chefes tribais”. Prempeh entregou-se, foi preso; os soldados ingleses saquearam e incendiaram seu palácio.
Nos últimos dias antes de se entregar, Prempeh mandou bordar um manto de rendição, medindo cerca de 2 metros por 3, coberto com símbolos gráficos ilustrando a cultura e a história do seu povo. O manto foi bordado em quadrados, com ideogramas simbolizando as lendas, provérbios e histórias dos Ashanti. Um padrão de círculos concêntricos, p.ex., simboliza o rei cercado por seus ancestrais, guerreiros e espíritos protetores. Um padrão chamado “pé de galinha” se refere ao provérbio Ashanti “uma galinha caminha sobre os pintinhos mas não os mata”, referindo-se ao rei poderoso que não esmaga seus súditos. Outro padrão em espiral, chamado “chifre de carneiro”, alude ao provérbio “a bravura de um carneiro vem de seu coração, não de seus chifres”.
Os ingleses não entenderam o significado do manto, mas um soldado apossou-se dele após a cerimônia, e levou-o consigo. Ele está hoje no museu da Smithsonian Institution, em Washington. Em seu blog, David Apatoff tenta adivinhar a função que esse manto poderia ter desempenhado, e comenta:
“Por que motivo Prempeh se daria o trabalho de criar uma obra de arte cuja mensagem não seria compreendida? Uma resposta possível é que as pessoas recorrem à arte quando nada mais lhes resta, e quando nossos sentidos não conseguem reproduzir o mundo de uma maneira suportável. O poeta Schlegel disse: ‘Através do ruído da vida – este sonho multicor – nossas canções são cantadas para um ouvinte secreto’. Muitas obras de arte são criadas assim, como uma mensagem numa garrafa, para que um dia possam chegar até esse ouvinte secreto capaz de entender o que nos aconteceu. O império Ashanti, com sua rica tradição, deixou de existir naquele dia, mas o manto de Prempeh serviu para que uma parte daquela cultura sobrevivesse e alguém ficasse sabendo que ela existiu”.
Muito bom, Tavares.
ResponderExcluirAbraços.
Valeu, meu nobre... Dê uma olhada nesse saite onde busquei. Cheio de coisa boa.
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