Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
terça-feira, 27 de setembro de 2011
2672) A palavra inchirido (27.9.2011)
Até hoje não sei como se escreve: Inchirido? Enxerido? Não importa; esse adjetivo é uma daquelas palavras tipicamente nordestinas, como arretado, oxente, mangar.
O cara inchirido é o cara atrevido, metido, ousado. No sentido sexual, é o homem que dá em cima, que “avança o sinal”, que “azara”, que dá cantadas, que fica rondando e pedindo uma chance.
Como tantos outros termos nessa área, pode ter um sentido pejorativo e um sentido elogioso, dependendo do interesse que a vítima possa ter pelo cara que se comporta assim: “Não suporto Fulano, além de feio é inchirido”, ”Eu fico toda nervosa quando ele chega junto, porque ele é muito inchirido”, “Minha filha, eu só gosto de homem inchirido, porque a gente já sabe que ali acontece alguma coisa”.
Também se usa, meio metaforicamente, em outras circunstâncias. “O brasileiro é um povo muito inchirido, se metendo a fazer Copa do Mundo e Olimpíada ao mesmo tempo!”. “O São Caetano montou naquele tempo um time meio inchirido, que acabou sendo vice-campeão brasileiro e vice-campeão da Libertadores”.
Ou seja, “inchirido” no sentido geral de ambicioso, disposto a ir além dos limites que lhe haviam sido traçados por outros. E existe, claro, o verbo “inchirir-se”, reflexivo: “Cuidado, Fulana, teu marido anda se inchirindo pra aquela galega do bar”.
Surge a questão: qual a origem da palavra? Por algum tempo pensei que viesse do verbo “encher”, mas logo descartei. Pensei que viesse de “inserir, inserido”: “Fulano anda se inserindo no meio de uma turma que não é a dele”.
Num livro de Carter Dickson, Os Crimes da Viúva Vermelha, encontrei uma referência de que a palavra “Enchiridio” se referia a “uma coleção de orações mágicas inventadas pelo Papa Leão III e oferecidas a Carlos Magno no ano 800”.
Agora, o saite A Word A Day me explica que a palavra significa “manual, pequeno livro de informações básicas”, e vem do grego “encheiridion”: en (em) + chiros (mão) + idion (sufixo diminutivo). Ou seja, um livrinho com informações essenciais que pode ser levado na mão; daí o sinônimo “manual” (em inglês é “handbook”).
Diz o saite que o uso mais antigo documentado, é de 1541. Mas isso não importa. A questão é: o Enchiridio (que aliás deve se pronunciar “enquirídio”) medieval pode ter dado origem, pelas vias tortuosas de sempre, ao nosso conceito de “inchirido”?
O inchirido seria, então, aquele sujeito que leva consigo um livrinho com todas as respostas (espécie de Manual do Escoteiro) e que devido a isso passa a ostentar uma cultura-de-almanaque, se torna pedante, metido a besta, sabe-tudo, atrevido? E ainda por cima conquista todas as mulheres com isso?!
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