Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
domingo, 11 de setembro de 2011
2659) A ilha ao meio (11.9.2011)
O helicóptero desce num ratatá de hélices e rotores, e pousa na mandala do heliporto. Desço acompanhado do tenente que me trouxe. Um coronel está no hangar para me receber. Numa sala com ar condicionado, há um bufê de café e salgadinhos. Ele me faz uma descrição detalhada, mostra desenhos, pranchas, fotografias antigas e recentes. A ilha tem alguns quilômetros de comprimento, algumas centenas de metros de largura. Ele mostra a maquete, indica onde fica a Base onde estamos. Examino uma foto enorme mostrando o Serrote circular que cortou a ilha ao meio: um semicírculo de metal emergindo do chão, com dezenas de metros de altura, alguns centímetros de espessura, dentes de liga de titânio com mais de um palmo.
Um carrinho elétrico nos conduz à Fronteira. Dia nublado, mas numa das encostas avisto o mar, onde ao longe bate sol. Elevações vulcânicas no meio de um terreno arenoso, quebradiço. Descemos a pé um barranco, por uma trilha de lajes horizontais fincadas na terra. Lá embaixo se estende uma planície, e a cem metros, já do Outro Lado, ergue-se uma escarpa de rocha escura, com manchas de vegetação. Caminhamos ao longo de uma espécie de istmo que liga as duas partes, tendo à esquerda e à direita dois horizontes azuis de mar. Chegamos por fim à Fronteira, uma linha reta, a meio caminho entre o barranco de onde descemos e a escarpa do lado oposto.
Agacho-me. A Fronteira é uma fenda de alguns centímetros de largura, com bordas revestidas de metal. Inclinando-me, vejo que, de cada lado da fenda, paredes de metal descem terra adentro, e percebo, lá no fundo, um reflexo na água do mar. Fico novamente de pé. Durante a viagem, tinha imaginado o que me sucederia se desse um passo por cima da fenda. Agora sei que isto é tão impossível quanto abrir os braços e me elevar rumo ao céu.
Não há diferença entre o solo de um lado e do outro, mas a ilha foi serrada ao meio, de maneira cirúrgica, implacável, e a um custo financeiro espantoso. Lembro as fotos: duas frotas simétricas de rebocadores firmando os cabos e a engrenagens por onde o Serrote se deslocou cortando o istmo.
Olho para o Outro Lado, tão próximo e tão inacessível. “Há alguém lá?”, pergunto, “Há pessoas como nós, há construções, estradas, atividade humana?”. “É provável”, diz o oficial; “talvez agora mesmo estejam aí, diante de nós, mas evidentemente não podemos vê-los. O corte foi definitivo”. O sol bate do nosso lado, e bate lá no mesmo ângulo, mas a verdade é que ilumina dois mundos diferentes, dois mundos que um dia foram um só. Agora, mesmo visível, aquela metade da ilha está mais distante do que um planeta que não se vê no céu.
Fronteiras sempre geram distâncias e alteridades!
ResponderExcluirÓtima leitura!
ResponderExcluirImpressionante!!!
Um abraço!