quinta-feira, 11 de agosto de 2011

2629) High tech, low life (7.8.2011)



Esta é uma das palavras-de-ordem do movimento cyberpunk que surgiu nos anos 1980 na ficção científica dos EUA. Ao pé da letra, significa algo como “alta tecnologia nas mãos de gente de baixa classe social”, sendo que nessa “baixa classe social” está implícita uma dose considerável de marginalidade, transgressão, violação das leis. 

Essa frase é simétrica à própria palavra “cyberpunk”, e lhe serve como uma espécie de glosa ou diluição explicativa. 

“Cyber” significa tudo que se refere à cibernética, à informática, à eletrônica, à tecnologia digital; e “punk” se refere a tudo que exprime uma atitude agressiva, e violenta contra isso que os jovens chamam O Sistema (até que amadurecem e percebem que o Sistema é maior do que eles imaginavam, e os inclui, mas isso é outra história).

O movimento punk no rock foi isso: guitarras elétricas nas mãos de quem não sabia tocar, microfone na mão de quem não sabia cantar. 

O punk rock foi a reação ao sucesso autocomplacente do rock e pop internacional, com seus artistas multimilionários desfilando em limusines e comprando um castelo para fazer uma orgia de fim de semana. 

Os punks de origem, rapazes e moças das periferias operárias, cuspiam com desprezo em cima disso. Toda a vida cuspiram, desde a Idade Média. Mas na década de 1970 começaram a cuspir com alta tecnologia em punho.

“High tech, low life” parece uma promessa utópica e otimista redigida a quatro mãos por Charles Fourier e Arthur C. Clarke. 

É como se vislumbrássemos no horizonte um futuro em que todo mundo fosse rico por igual, e políticos e operários, industriais e camponeses, ministros de Estado e tecelãs, não apenas ganhassem exatamente o mesmo, mas tivessem em mãos, para seu trabalho e seu lazer, “a mais avançada das mais avançadas das tecnologias”, como diz Caetano Veloso. 

Será que isso resultaria num Éden ultracientífico, em que os pobres disporiam das mesmas tecnologias que os ricos, mas, sutilmente, os privilégios se manteriam intactos? De certa forma, estamos indo nessa direção – hoje em dia a madame liga pro celular da diarista e avisa: “Clementina, não precisa vir amanhã, vamos viajar”.

O que ocorre no mundo real, entretanto, é que no momento em que a alta tecnologia começa a se espalhar pela baixa classe social adquire o irritante hábito de servir aos interesses dos usuários, e não dos criadores! (Perguntem aos executivos da Polygram, Ariola, EMI-Odeon, Columbia Records, etc.) 

A baixa classe social tem seus próprios planos sobre como usar as tecnologias. A literatura cyberpunk é o primeiro passo de uma literatura futura (acordem-me daqui a 50 anos, por favor!) em que a produção cultural das elites se diluirá (sem desaparecer) no tsunami quantitativo da produção cultural dos “low life”, para o melhor ou para o pior. 

Da baixa classe surgirá a Grande Arte. Não se assustem – nós mesmos já somos isto. Não somos de maneira alguma o que a Renascença e o Iluminismo sonharam.





Um comentário:

  1. Senhor B.T, agrada-me deveras suas lapidaçoes culturais. Fora seu gosto ruim pelo Galo(embora entendo sua vitimação neste caso de gosto), tudo que escreve é bom danado e lhe admiro muito, muito demais no anonimato de nossa serra querida. Solicito um préstimo: uma listinha dos significativos titulos dessa literarura pós punk. Grande abraço.

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