quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

2415) O Ulisses israelense (1.12.2010)




(a tradução brasileira, de Nancy Rozenchan, pela Editora Imago) 

A literatura israelense contemporânea é pouco traduzida aqui no Brasil, e o único autor de quem consigo lembrar sem consultar uma enciclopédia é Amos Oz. 

Então, não sei avaliar (a não ser na base do chutômetro) a possivelmente complicada linha genealógica literária que para Joshua Cohen faz de Past Continuous (1977) de Yaakov Shabtai (1934-1981) o “Ulisses israelense”, meio século depois do de Joyce. 

A intenção de Cohen é tentar identificar em cada nação qual o livro que melhor dá continuidade às experiências estilísticas de Joyce: oralidade, fluxo de consciência, mescla de discursos aparentemente disparatados, dilatação da passagem do tempo, mistura erudito/plebeu, épico/banal, etc. Em algumas literaturas, esse momento só se dá muitas décadas depois do Ulisses

Cohen descreve assim o livro: 

“Escrito num único parágrafo, o único romance deixado completo por Shabtai é uma intrincada crônica da vida israelense em meados dos anos 1970. Frases intermináveis expõem o entrelaçamento das vidas de um grupo de amigos e parentes que se encontram nas ruas e nos salões de Tel Aviv após a morte do pai de um dos protagonistas. Discute-se socialismo e religiosidade, pratica-se sexo, os costumes dos judeus europeus são diagnosticados como irrelevantes, mas o que faz deste romance um marco da literatura em hebreu é o espantoso domínio do autor sobre as longas frases com cláusulas embutidas e digressões coloquiais”. 

Os três personagens principais são o fotógrafo Caesar, o tradutor Goldman e o pianista Israel. O livro se abre com a morte do pai de um deles em 1 de abril e se encerra com o suicídio do filho em 1 de janeiro, cobrindo o período simbólico de nove meses. É um livro várias vezes premiado em seu país, e considerado o primeiro romance escrito em hebreu vernacular. 

Uma resenha no New York Times lamenta a decisão dos tradutores norte-americanos de partir em ocasionais parágrafos uma obra que no original é um único parágrafo do começo ao fim (o tipo de decisão que provoca nos tradutores e editores conscienciosos um calafrio de presságio e insônias cheias de culpa). 

Diz Alan Leichuk no NY Times que a narrativa avança por meio de associações entre personagens, seguindo um deles por várias páginas, depois acompanhando outro com quem ele se relaciona, até encontrar um terceiro e passar a segui-lo, até que depois de várias voltas estamos novamente de volta ao primeiro e tudo recomeça. Ele comenta: 

“É o retrato mais prodigioso e provavelmente mais realista da sociedade israelense contemporânea; não há utopias de kibbutz, nem a mística de Jerusalém, nem otimismo sionista, nem heroísmo de Sabra, e sim um retrato de proporções balzaqueanas de uma família e de um povo em crise, vidas vividas no fim de um sonho que se desgarrou, e de um paraíso em explosão”. 

Um curioso reflexo do livro de Joyce num mundo judeu cuja existência Joyce talvez não conseguisse imaginar.









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