Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
quinta-feira, 9 de dezembro de 2010
2422) A renovação da linguagem (9.12.2010)
Li num jornal literário este comentário de um crítico, que transcrevo sem citar a autoria, porque na verdade não me interessa contradizer o autor, e sim examinar por que motivo eu, que já disse a mesma coisa numerosas vezes, sempre o fiz com um certo desconforto e insatisfação. Dizia ele: “Fulano de Tal, com seu livro, não se propõe a renovar a linguagem literária. Ainda bem, porque de tentativas de renovação da linguagem a literatura brasileira está saturadíssima. Hoje em dia, essa prática se tornou lugar comum entre os escritores ‘bem’ pensantes. Mas afinal, depois de Guimarães Rosa e Clarice Lispector, isso seria possível?”
Me parece verdadeiro, mas também me parece insatisfatório. Tenho uma certa impaciência com tentativas de “renovar a linguagem literária brasileira”, como se isto fosse tarefa para cada novo escritor que desembarca nas livrarias. Ao mesmo tempo me pergunto: será que acabou tudo com Guimarães Rosa e Clarice? Será que fechou a tampa, e não é preciso renovar mais nada? E, aliás, por que usamos o termo “renovar”? Renova-se uma literatura como quem renova um guarda-roupa durante uma viagem? Ou como quem renova um modelo de automóvel (tirando o acendedor de cigarros e botando um tocador de MP3, p. ex.)?
Não sabíamos (acho) que era possível ver o mundo com olhos como os de Kafka, até que Kafka surgiu e nos mostrou. Não imaginávamos (acho) que perscrutações íntimas, contraditórias, paradoxais e sem-desfecho, como as de Clarice Lispector, pudessem resultar em boa literatura; os livros de Clarice mostraram que sim. Muita gente escrevia romances sobre detetives durões que investigavam crimes brutais, cercados por mulheres sedutoras; eram livros rústicos, sensacionalistas, descuidados. Parecia impossível produzir boa literatura com ingredientes assim, mas Raymond Chandler mostrou que não. O romance regionalista rural era considerado um gênero estático, impermeável ao resto do mundo, sobre pessoas de baixo Q.I.; Guimarães Rosa mostrou que não.
Muitas tentativas de renovar a linguagem literária se frustram porque os autores, paradoxalmente, querem escrever parecido com o autor da renovação mais recente. A renovação se auto-destrói, cai no vazio, porque a comparação é inevitável entre o original e a cópia. O que seria de Rosa se tentasse escrever parecido com Afonso Arinos, e de Chandler se tivesse querido adotar o estilo de Dashiell Hammett, a quem admirava?
Não sei se todos os grandes autores queriam renovar nada. Queriam apenas se exprimir (acho) dentro de suas habilidades e seus limites. A literatura é uma Língua Geral cuja sintaxe e vocabulário pode receber acréscimos de qualquer autor. Os grandes individualistas trazem sua maneira de ver e maneira de dizer. Algo disso se incorpora. Mas aposto que eles não estavam querendo “renovar” nada. Escreviam assim porque não conseguiriam escrever de outra forma.
Os grandes escritores, realmente não estavam interessados em regras e renovações... acredito que escreviam para tantas outras coisas como pr exemplo nos apresentar realidades diversas da nossa e experiências íntimas que devem ser inscritas na permanência das nossas memórias... a viagem vai além. Salve Rosa e Lispector!
ResponderExcluirótimo texto, tavares.
gerferson neftali
Eu tenho uma briga com amigos de minha cidade. Eles têm um habito que para mim versa do ódio à paixão, que é a tentativa constante de classificar o que se lê ou se escreve em um genero ou em uma "estrutura". É justo que na Academia, para dar um certo "ar de ciencia" para o estudo literário faz-se necessário (não sei oa certo), algumas formas de organização e classificação da produção literário, mas a minha briga instaura-se quando a classificação exauri toda a possibilidade de significado do texto. Obrigado Braulio, recomendei o seu endereço para os meus amigos!
ResponderExcluirMarco Maida
Só se deve ter acesso a textos acadêmicos depois que se ler muito, por prazer e curiosidade. Ler classificações acadêmicas e depois tentar encaixar nelas os o livros que lemos é como ler livros de medicina e ficar procurando os sintomas no nosso corpo.
ResponderExcluirPois é exatamente isso que tento defender, mas dizem que esse meu "subjetivismo" não leva a nada. Certa vaz lems um texto do Borges de analise literária em que ele narra a sua epopéia na cidade de Buenos Aires: ele percebia como uma experiencia estética perder-se nas vielas da cidade e o labirinto passava a ser experineic existencial mais que figura de linguagem. Ou ainda quando ele parado em frente ao mapa da linha ferrea imaginava viagens. Via isso como um recurso que legitimava a disposição que tenho, mas a Xenofobia da Academia descarta o que não coincide com seus pressupostos.
ResponderExcluirOs cursos de Letras são o último refúgio de algumas pessoas que admiram sinceramente a literatura mas não conseguem entender do que se trata.
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