quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

2422) A renovação da linguagem (9.12.2010)



Li num jornal literário este comentário de um crítico, que transcrevo sem citar a autoria, porque na verdade não me interessa contradizer o autor, e sim examinar por que motivo eu, que já disse a mesma coisa numerosas vezes, sempre o fiz com um certo desconforto e insatisfação. Dizia ele: “Fulano de Tal, com seu livro, não se propõe a renovar a linguagem literária. Ainda bem, porque de tentativas de renovação da linguagem a literatura brasileira está saturadíssima. Hoje em dia, essa prática se tornou lugar comum entre os escritores ‘bem’ pensantes. Mas afinal, depois de Guimarães Rosa e Clarice Lispector, isso seria possível?”

Me parece verdadeiro, mas também me parece insatisfatório. Tenho uma certa impaciência com tentativas de “renovar a linguagem literária brasileira”, como se isto fosse tarefa para cada novo escritor que desembarca nas livrarias. Ao mesmo tempo me pergunto: será que acabou tudo com Guimarães Rosa e Clarice? Será que fechou a tampa, e não é preciso renovar mais nada? E, aliás, por que usamos o termo “renovar”? Renova-se uma literatura como quem renova um guarda-roupa durante uma viagem? Ou como quem renova um modelo de automóvel (tirando o acendedor de cigarros e botando um tocador de MP3, p. ex.)?

Não sabíamos (acho) que era possível ver o mundo com olhos como os de Kafka, até que Kafka surgiu e nos mostrou. Não imaginávamos (acho) que perscrutações íntimas, contraditórias, paradoxais e sem-desfecho, como as de Clarice Lispector, pudessem resultar em boa literatura; os livros de Clarice mostraram que sim. Muita gente escrevia romances sobre detetives durões que investigavam crimes brutais, cercados por mulheres sedutoras; eram livros rústicos, sensacionalistas, descuidados. Parecia impossível produzir boa literatura com ingredientes assim, mas Raymond Chandler mostrou que não. O romance regionalista rural era considerado um gênero estático, impermeável ao resto do mundo, sobre pessoas de baixo Q.I.; Guimarães Rosa mostrou que não.

Muitas tentativas de renovar a linguagem literária se frustram porque os autores, paradoxalmente, querem escrever parecido com o autor da renovação mais recente. A renovação se auto-destrói, cai no vazio, porque a comparação é inevitável entre o original e a cópia. O que seria de Rosa se tentasse escrever parecido com Afonso Arinos, e de Chandler se tivesse querido adotar o estilo de Dashiell Hammett, a quem admirava?

Não sei se todos os grandes autores queriam renovar nada. Queriam apenas se exprimir (acho) dentro de suas habilidades e seus limites. A literatura é uma Língua Geral cuja sintaxe e vocabulário pode receber acréscimos de qualquer autor. Os grandes individualistas trazem sua maneira de ver e maneira de dizer. Algo disso se incorpora. Mas aposto que eles não estavam querendo “renovar” nada. Escreviam assim porque não conseguiriam escrever de outra forma.

5 comentários:

  1. Os grandes escritores, realmente não estavam interessados em regras e renovações... acredito que escreviam para tantas outras coisas como pr exemplo nos apresentar realidades diversas da nossa e experiências íntimas que devem ser inscritas na permanência das nossas memórias... a viagem vai além. Salve Rosa e Lispector!
    ótimo texto, tavares.


    gerferson neftali

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  2. Eu tenho uma briga com amigos de minha cidade. Eles têm um habito que para mim versa do ódio à paixão, que é a tentativa constante de classificar o que se lê ou se escreve em um genero ou em uma "estrutura". É justo que na Academia, para dar um certo "ar de ciencia" para o estudo literário faz-se necessário (não sei oa certo), algumas formas de organização e classificação da produção literário, mas a minha briga instaura-se quando a classificação exauri toda a possibilidade de significado do texto. Obrigado Braulio, recomendei o seu endereço para os meus amigos!
    Marco Maida

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  3. Só se deve ter acesso a textos acadêmicos depois que se ler muito, por prazer e curiosidade. Ler classificações acadêmicas e depois tentar encaixar nelas os o livros que lemos é como ler livros de medicina e ficar procurando os sintomas no nosso corpo.

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  4. Pois é exatamente isso que tento defender, mas dizem que esse meu "subjetivismo" não leva a nada. Certa vaz lems um texto do Borges de analise literária em que ele narra a sua epopéia na cidade de Buenos Aires: ele percebia como uma experiencia estética perder-se nas vielas da cidade e o labirinto passava a ser experineic existencial mais que figura de linguagem. Ou ainda quando ele parado em frente ao mapa da linha ferrea imaginava viagens. Via isso como um recurso que legitimava a disposição que tenho, mas a Xenofobia da Academia descarta o que não coincide com seus pressupostos.

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  5. Os cursos de Letras são o último refúgio de algumas pessoas que admiram sinceramente a literatura mas não conseguem entender do que se trata.

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