segunda-feira, 27 de setembro de 2010

2357) A situação e o desfecho (26.9.2010)


("Meu caro Watson, talvez fosse melhor a gente esperar o inspetor Lestrade")

O desenhista Gahan Wilson é um dos mestres do cartum fantástico. Este gênero talvez não esteja consignado nos compêndios, mas existe e prolifera nas revistas e jornais, alicerçado na obra de artistas como Edward Gorey, Charles Adams (criador da “Família Adams”), e muitos outros. 

Wilson ficou famoso por seu traço que alterna linhas de simplicidade aerodinâmica com áreas do desenho festivamente coberta de detalhes (muitas vezes horripilantes e hilários). Publicou em revistas de grande circulação como Collier’s, The New Yorker, Playboy e outras, mas foi através das páginas do The Magazine of Fantasy and Science Fiction que o conheci (bem como na edição brasileira dessa mesma revista, e da saudosa Galáxia 2000). 

O universo temático de Wilson é instantaneamente familiar a quem aprecia a obra de Ray Bradbury, Tim Burton, Roger Corman, Robert Bloch, Roald Dahl.


Wilson afirma (em http://graphicnyc.blogspot.com/2009/09/creepy-funny-absurdist-world-of.html): 

“O que é importante é escolher um tópico e apegar-se a ele. Digamos, duas pessoas numa mesa de restaurante. Não abandone isto para pensar noutra cena, porque se o fizer você vai ficar andando e não chega a lugar nenhum. Você tem que manter a decisão de achar algo engraçado naquele restaurante. E acaba achando”.


Numa entrevista à Locus em março de 1999, Wilson fez um comentário interessante sobre a arte do cartum (não necessariamente do cartum fantástico). Disse ele: 

“Um cartum é uma forma maravilhosamente complexa de arte visual e arte literária. É o único meio de expressão em que as duas coisas estão inteiramente entrelaçadas. Num cartum com legenda, um cartum realmente bem feito, se você remover a legenda o desenho não faz mais sentido, e se você remover o desenho a legenda não faz mais sentido. Eles são interdependentes. Mas acima de tudo um cartum é algo literário. Se ele é rico de significado e bem feito, o leitor pode imaginar o que vai acontecer em seguida ou como foi que aquela situação veio a acontecer. Ele é um momento dentro de uma história”.


Um cartum de Wilson mostra uma loja de animais empalhados, o cliente junto ao balcão onde há dois homens. Um deles aponta para o outro e apresenta: “Meu falecido sócio”. Só então a gente percebe que o outro está numa posição excessivamente comportada, mãos cruzadas sobre o balcão, olhar fixo. 

Se víssemos apenas a imagem talvez achássemos que ele estava distraído, indiferente à conversa. Por outro lado, a legenda sozinha não diz muita coisa. 

É um pouco o contrário do que Hitchcock preconizava para o uso do diálogo. O diálogo deveria ser meio irrelevante em relação à cena, para que essa própria irrelevância destacasse o que realmente importa, ou seja, o que estamos vendo. São receitas diferentes, mas importantes. Wilson: O diálogo deve ser complemento. Hitchcock: O diálogo deve ser contraste. O que não pode ser é redundância.








Um comentário:

  1. Acho interessante a interdependência das linguagens. Dê uma olhadinha nessa composição (http://kadumauad.blogspot.com/2010/09/jogo-dos-7rros.html) que desloquei para cima da foto de um banheiro cujos compartimentos feminino-masculino, da esquerda para direita, são cheios de detalhes mais ou menos berrantes, o que suscita a ideia do Jogo dos 7rros. Saca lá!

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