Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
segunda-feira, 19 de julho de 2010
2288) “Rede de Intrigas” (8.7.2010)
Este filme magnífico de Sidney Lumet (Network, 1976) é um dos ataques mais devastadores já feitos pelo cinema à televisão. Esta guerra entre cinema e TV vem há muitos anos, e o mais interessante é que não importa por qual dos dois a gente torça: cada crítica que um faz ao outro nos parece inteiramente justificada. Lumet é um diretor competente, um desses mestres do cinemão realista tradicional, autor de filmes que admiro muito (O Homem do Prego, A Colina dos Homens Perdidos, Assassinato no Orient Express, Um Dia de Cão, etc.). Ele contou aqui com um roteiro devastador de Paddy Chayefsky, que ganhou os principais prêmios nesse ano: Oscar, Globo de Ouro, Los Angeles Film Critics, New York Film Critics e Writers Guild. Não digo isto por ser deslumbrado com prêmios (na maioria dos casos são bobagens), mas porque parece que todo mundo nos EUA, naquele momento, estava ansioso por alguém que mostrasse o que a TV andava fazendo naquele país. Chayefsky veio e mostrou. Mostrou tão bem que um filme de 35 anos atrás parece ter sido feito para analisar a TV de hoje, com seu sensacionalismo, sua amoralidade, seu concubinato com o grande capital, seus “irreality shows”, sua capacidade de transformar em dinheiro tudo que toca.
Lumet é um diretor com um veio teatral forte, e costuma extrair boas interpretações dos seus atores. Deste filme, cinco foram indicados ao Oscar, e três ganharam (Faye Dunaway, Peter Finch e Beatrice Straight). Grande parte do poder de convencimento do filme se deve a essas interpretações. Além destes citados, William Holden, Ned Beatty e Robert Duvall estão excelentes e dão extrema credibilidade às brigas dos executivos de uma emissora mediana, comprada por um grande conglomerado financeiro, que de repente começa a fazer sucesso quando o âncora (Peter Finch) de seu principal telejornal – uma espécie de Cid Moreira ou William Bonner – entra num surto psicótico e torna-se uma espécie de guru alucinado que verbaliza de forma incoerente a insatisfação do público.
Ned Beatty disse uma vez: “Nunca recuse nenhum papel. Trabalhei somente um dia em Rede de Intrigas e fui indicado para um Oscar”. A cena em que ele usa o mesmo tom messiânico do personagem de Peter Finch para explicar a este o que é globalização e capitalismo multinacional é antológica. Network deveria ser exibido em todos os nossos pretensos Cursos de Comunicação, que ensinam tanto beabá de clichês. A maior parte das pessoas que faz televisão não tem idéia do que é a televisão. Stanislaw Ponte Preta batizou a TV de “máquina de fazer doidos” e todo mundo pensou que ele se referia ao público. Não era. Estava falando das pessoas que fazem televisão. Para quem assiste é um ópio, ajuda a relaxar e a dormir para enfrentar o batente do dia seguinte. Para quem a faz, é uma cocaína. Basta ver este filme de Lumet, onde não há um só personagem que não esteja rilhando os dentes o tempo todo.
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