Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
domingo, 18 de julho de 2010
2285) Os cavalos e as zebras (4.7.2010)
A Navalha de Occam (“Occam’s Razor”) é uma figura do discurso filosófico que consiste mais ou menos no seguinte: em qualquer problema, deve-se começar a procurar a solução pelas mais simples, não pelas mais complicadas.
O termo “navalha” entra aí com sugestão de que sejam “raspados” todos os excessos, todos os elementos desnecessários à resposta.
Isto não quer dizer que uma explicação complicada não pode ser verdadeira, mas que, na imensa maioria dos casos, são as explicações mais simples que matam a charada.
Suponhamos que estou em casa, no Rio de Janeiro, às 3 da tarde, lendo no sofá. Tocam à campainha. Levanto-me, pensando: “Puxa vida, deve ser alguém que veio da Paraíba para me visitar!”. Minha suposição não é absurda, pois o que imaginei pode muito bem acontecer. Mas se ao aplicasse a Navalha de Occam eu pensaria: “Não será o porteiro trazendo uma correspondência registrada? Um vizinho querendo me perguntar alguma coisa? Ou algum amigo que mora aqui perto?”.
Estas hipóteses são tão plausíveis quanto a anterior, e têm a vantagem de serem explicações mais simples, de serem estatisticamente mais prováveis.
Daí a crítica que faço muitas vezes a jornalistas ou pessoas em geral, mal-informadas, que quando se referem a OVNIs sugerem que são visitantes “de outras Galáxias”. Quem diz isto não tem a menor ideia do que seja uma galáxia, ou da distância a que fica a galáxia mais próxima.
Seria o mesmo que, ouvindo a campainha do meu apartamento, eu imaginasse que era alguém do Japão tocando – e não alguém do meu prédio, ou da minha cidade.
(Se algum OVNI viesse da galáxia mais próxima da nossa, a Nebulosa de Andrômeda, levaria, viajando à velocidade da luz, cerca de 2 milhões e meio de anos para nos fazer essa visita. Melhor supor que seja alguém que more mais perto.)
Numa discussão recente sobre a Navalha de Occam na lista “A Word a Day”, o leitor Dean Barnard lembrou uma frase repetida frequentemente no curso de Medicina, para aconselhar aos estudantes que procurem respostas mais simples: “Se ouvir lá fora um barulho de cascos, pense que é um cavalo, não que é uma zebra”.
Ele perguntou se num país africano este conselho continuaria valendo. O leitor Max Bennun, da África do Sul, respondeu: “Aqui em nosso país os estudantes de Medicina ouvem dizer que se vemos um pássaro pousado num galho é mais provavelmente um pardal do que um canário. Daí que no nosso linguajar médico a ocorrência de condições extraordinárias acabou sendo chamada de ‘canário’”.
A Navalha de Occam não nega a possibilidade de que fatos extraordinários aconteçam, apenas recorre ao bom senso para lembrar que se um fato extraordinário pode, sim, acontecer, um fato ordinário pode mais ainda.
É uma questão de ir por partes, do mais possível para o menos possível, e só imaginar uma resposta complicada quando não houver nenhuma resposta simples que resolva o problema.
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