Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
quinta-feira, 15 de julho de 2010
2272) “A Conversação” (19.6.2010)
Harry Caul é um tipo especial de detetive, o chamado “araponga”, que se especializa em escutar e gravar conversas alheias, grampear telefones, etc., a fim de fornecer provas de diálogos clandestinos. Ele não apenas executa os serviços como também desenvolve e aperfeiçoa seu próprio equipamento (bugs minúsculos colocados nos objetos pessoais ou nas casas das vítimas, etc.). Quando comparece a uma convenção de espiões (parece piada, mas não é – nos EUA isso é um mercado tecnológico como qualquer outro) é saudado por toda parte como um dos gênios dessa atividade. Invejado e imitado por todos, mantém o tempo inteiro um perfil discreto. Sua vida se complica quando recebe a função de espionar um jovem casal que namora numa praça. Ele começa a temer que o marido, um poderoso executivo que o contratou, acabe querendo matar os dois.
A Conversação (1974) de Francis Ford Coppola, é um filme injustamente esquecido hoje, talvez obscurecido pelo sucesso e pela polêmica de outros filmes que o diretor fez na mesma época, como as primeiras partes de O Poderoso Chefão e Apocalypse Now. Perto desses superespetáculos, A Conversação parece uma coisa menor, como uma canção de Tom Waits ao lado de uma canção do Pink Floyd. Ainda assim, o filme ganhou para Coppola uma das poucas Palmas de Ouro que o Festival de Cannes já concedeu ao cinema americano. Certamente pelo seu teor político: é um filme típico da Era Watergate, quando escutas telefônicas dessa natureza derrubaram Richard Nixon (episódio citado de passagem na cena em que Caul assiste TV num quarto de hotel).
As cenas em que Harry Caul remonta e equaliza trechos de gravação sonora para reconstituir as falas do casal espionado lembram as longas cenas de Blow Up de Antonioni, em que o fotógrafo revela as fotos que parecem revelar um assassinato no parque. Em ambos a mesma situação: um técnico que espiona à distância um casal de namorados e julga descobrir uma trama criminosa. A situação lembra também o recente filme alemão A vida dos outros, em que um “araponga” do governo leva meses inteiros grampeando conversas da vida de um casal no apartamento de baixo, e acaba simpatizando com as pessoas que espiona. É uma curiosa simbiose à distância: o “voyeur” deixando-se embeber pela personalidade daqueles a quem espreita.
A Conversação é um thriller tecnológico que, sem ser propriamente ficção científica, é um filmes sobre a “mídia ambiente”, em que a tecnologia tem papel essencial, e revela o mundo urbano como uma floresta eletrônica. Coppola não imaginaria os níveis de sofisticação e de onipresença que esse tipo de vigilância alcançaria hoje, mais de trinta anos depois. Seu filme, usando gravadores de rolo de fita magnética, faz a ponte entre a sociedade retrô e super-vigiada do 1984 de George Orwell e o mundo digitalizado da espionagem de agora, com câmeras de segurança em todas as esquinas e recintos, e onde ninguém pode se sentir ao abrigo de espiões.
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