quinta-feira, 1 de julho de 2010

2212) Ao vencedor, as batatas (10.4.2010)




(Quincas Borba, de Roberto Santos)

A frase famosa é de Machado de Assis, e como tantas grandes frases, pode ser interpretada de muitas maneiras. 

Ao vencedor os louros do triunfo, por exemplo; todas as glórias e troféus subentendidos na possibilidade do triunfo. 

Ou então: ao vencedor, um punhado de meras batatas, prosaicas batatas, para que ele aprenda que o bom da vitória é vencer, e não o prêmio da vitória. 

Ou um mero fatalismo que (segundo Quincas Borba, inventor da frase) justifica a necessidade da guerra: 

“Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos, que assim adquire forças para transpor a montanha e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz, nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos os demais efeitos das ações bélicas.”

É um lado nietzschiano do filósofo Quincas, e não admira que tanto ele quanto o autor de Zaratustra terminassem a vida de miolo mole. Essa filosofia parte do princípio de uma escassez de recursos a serem disputados por dois concorrentes. Dividi-los por igual não adiantaria a nenhum dos dois, porque ambos continuariam fracos e sub-alimentados. 

Um provérbio meio equivalente à frase de Quincas Borba seria “farinha pouca, meu pirão primeiro”. É necessário, para ter acesso ao futuro (ou seja, a uma situação possível de batatas-em-abundância) exterminar o concorrente para que ele não roa metade dos nosso víveres, matando-nos a ambos de fome.

Há momentos em que a História parece justificar esse raciocínio. Vejam a espantosa evolução técnico-científico-industrial dos EUA durante os meros quatro anos que durou sua participação na II Guerra Mundial. O esforço de guerra produziu uma gigantesca mobilização de trabalho, capital e energia criativa, e inúmeras conquistas científicas (desde o radar à energia atômica) só foram alcançadas assim. 

Quincas Borba veria nisto uma prova de sua argumentação. Se EUA e Alemanha tivessem ficado sentados no batente de casa, comendo sem pressa as batatinhas fritas da paz, talvez tivessem morrido de inanição mental nessa “vidinha besta” que exige pouco dos homens e dos países. Mas bastou uma guerra para que um dos dois fosse destruído e o outro desse um salto de Poder sem precedentes.

A teoria de Quincas Borba é menos uma alegoria da Humanidade em geral do que uma prefiguração do que viria a ser o Capitalismo no século em que Machado fechou os olhos. 

O que há de bom no Capitalismo é essa energia criativa, essa pulsão de viver, de crescer e de criar, essa disputa de espaço, essa busca de ver quem é o melhor, quem faz mais, quem vai mais longe. 

O que há de mau é que todo este conjunto de qualidades acaba sendo o seu único repertório moral.






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