Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
domingo, 27 de junho de 2010
2203) O destino indireto (31.3.2010)
O escritor Alberto Mussa conta que quando fazia um curso universitário de Matemática usou, ao pagar as cadeiras de Cálculo, um livro-texto diferente do que seus colegas usavam. O autor do livro era um russo, um tal de Piskounov ou coisa parecida, diz ele. Espalhou-se na faculdade a notícia de que ele estudava no livro de um autor russo (era a época da ditadura) e isso imediatamente lhe conquistou um enorme prestígio entre seus colegas comunistas. Um deles deu-lhe de presente um livro de poemas de Agostinho Neto, o presidente comunista de Angola – e a vida de Mussa mudou para sempre. Não que ele tivesse virado comunista, mas foi através do poeta angolano que ele descobriu a cultura e a literatura da África, sobre as quais viria a escrever numerosas obras.
Vilma Guimarães Rosa conta no livro Relembramentos que sua tia Maria Luiza, quando jovem, precisava dar mamadeira a um sobrinho, mas não tinha relógio e estava sozinha com o bebê em casa. Para perguntar as horas a alguém confiável, ligou para um número que viu na lista, e que imaginou pertencer a uma entidade religiosa. Não era: era uma pensão de estudantes. Um rapaz atendeu, os dois começaram uma conversa, depois um namoro, e acabaram casados pelo resto da vida.
São mil histórias; cada um de nós sabe várias. É a moça que acompanha a amiga a um estúdio, onde a amiga vai gravar alguma coisa, e alguém lhe pede que faça um teste ao microfone, ela canta e vira mais cantora que a amiga. É o rapaz que vai se matricular na Faculdade, vê uma moça bonita se matriculando noutro curso e, num impulso, matricula-se ali sem outro interesse, e vira um luminar daquela ciência.
Luís Buñuel nunca tinha pisado no México. Estava meio exilado e desempregado em Hollywood quando em 1946 recebeu um recado de uma amiga, no México, chamando-o para produzirem juntos uma peça. Don Luís foi para lá. No hotel, ficou sabendo que a peça que tinham em mente fora liberada para outro produtor. Buñuel ficou no México até morrer, e realizou ali 20 filmes.
É o que eu sempre digo: "Sorte não é sonhar avestruz, jogar avestruz, e dar avestruz. Sorte é sonhar avestruz, jogar camelo por engano, e dar camelo". Em tudo que tem interferências do Acaso a gente percebe o lado aleatório da coisa, mas percebe também (ou está ansioso para perceber) a presença de um enorme Dedo empurrando os personagenzinhos nesta direção, depois naquela... Luís Buñuel tem uma afirmativa terrível: “O Acaso não pode ser uma criação de Deus, já que ele é a negação de Deus. Estes dois termos são antinômicos, excluem-se um ao outro”. Escutaram, amigos, mil catedrais desabando? O contrário de Deus não é o Diabo, que é feito da mesma essência dele e no máximo encarna o seu pólo oposto. Deus é criação, controle, onisciência, determinismo, ordem; é isto, e tudo que combinar com isto. O contrário de Deus é o Acaso. Se pudermos um dia provar a existência do Acaso provaremos a inexistência de Deus.
Muito bom!
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