Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
quinta-feira, 24 de junho de 2010
2186) O pulo do gato (11.3.2010)
Volta e meia estou tropeçando nesta cena. Hoje me aconteceu de estar zapeando na TV a cabo e ir parar no épico de Nicholas Ray 55 Dias em Pequim (aquele que, segundo os piadistas, recebeu no Ceará o título de “Quage dois mês longe de casa”).
Numa recepção em Pequim, no meio do ambiente tenso entre Inglaterra e China, três guerreiros chineses dão a costumeira exibição de artes marciais. Um lutador esquiva-se com impressionante rapidez dos golpes de espada desferidos pelos outros dois.
Quando o número se encerra, uma espada é oferecida ao capitão inglês interpretado por Charlton Heston, e lhe pedem que tente atingir o lutador. Ele obtempera que se ferir ou matar um chinês pode causar um incidente diplomático. O líder chinês sorri: “Não há a menor possibilidade de que isto aconteça”.
Heston pega a espada, encara o lutador, e, sem aviso, gira o corpo e enfia (só de leve) a ponta da espada no estômago do outro lutador que, desprevenido, observava a cena. Empurra-o recuando, na direção da mesa do banquete, onde o guerreiro se estatela no chão, num estardalhaço de pratos quebrados.
Chamo a esta cena O Pulo do Gato. Ela aparece com recorrência admirável em filmes de ação em que o herói é posto diante de um impasse aparentemente insuperável, mas encontra uma saída hábil, uma volta por cima, um recurso heterodoxo que lhe devolve o comando da situação.
Em Butch Cassidy, quando Butch volta a encontrar sua quadrilha, da qual estivera afastado, fica sabendo que quem manda nela agora é Fulano, um dos pistoleiros. Fulano faz cara dura, engrossa o cangote, ajeita o cinturão com os coldres e desafia Butch a sacar o revólver mais depressa do que ele.
Butch se faz de desentendido, caminha na sua direção falando em voz alta com o grupo, e, quando está mesmo à frente do desafiante, planta-lhe de baixo para cima um vigorosíssimo pontapé exatamente no lugar onde eu o faria, caso estivesse na mesma situação. O camarada desaba, manso como um anjo, e a autoridade de Butch ressurge das cinzas.
Para tornar minha teoria mais eloquente, cito o exemplo seminal. Em Os Caçadores da Arca Perdida, Indiana Jones está sendo perseguido por bandidos através de uma feira oriental. A certa altura, a ruazinha por onde tenta fugir é bloqueada por um árabe enorme, vestido de preto, que puxa do cinto uma gigantesca cimitarra e faz com ela malabarismos ameaçadores. Um frisson de “Está tudo perdido!” percorre os neurônios ansiosos dos adolescentes na platéia, mas Indiana não conta conversa, puxa o revólver e abate o espadachim com um único tiro.
Isso é o Pulo do Gato: qualquer solução radical que de certo modo viola os dados do problema – mas salva a pátria.
Uma (digamos) pequena infração às regras do fair-play, mas uma infração facilmente perdoável, em vista da sinuca em que o cidadão está metido.
Talvez o primeiro exemplo histórico disto seja Alexandre, o Grande, cortando o “Nó Górdio”, em vez de tentar desatá-lo.
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