Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
terça-feira, 15 de junho de 2010
2157) Jornada rumo ao horror (5.2.2010)
Há quase vinte anos fiz uma viagem aos EUA, e por motivos financeiros, acima de tudo, o meu voo foi feito pela LAP, Líneas Aéreas Paraguayas. Fui do Rio para Assunção, e depois de várias horas de espera embarquei num voo direto de Assunção para Miami, onde desembarquei às 3:30 da madrugada, cheio de sono, para esperar minha conexão seguinte. Eu sou daquele tipo que quando acorda está com um Q.I. próximo ao de um Homem de Neanderthal. Vou melhorando com o correr das horas, mas quando acordo meu cérebro só me permite tomar as mais rudimentares decisões, e desembarcando num aeroporto desconhecido, àquela hora, a decisão era: “Siga a boiada”.
Segui a boiada ao longo de larguíssimos corredores, imensas escadas rolantes, um cenário kubrickiano e futurista que só vim a admirar depois, em retrospecto, porque naquele instante meus neurônios estavam, por unanimidade, tentando seguir a boiada. Éramos uns duzentos passageiros e acabamos nos amontoando num saguão vasto, onde me encostei numa parede, mochila às costas. Todo mundo amarfanhado e sonolento. Homens de negócios com pastinhas 007 (eram raros os laptops naquele tempo), famílias inteiras aglomerando-se em busca de proteção, casais jovens de mãos dadas e cabecinha no ombro, gente se maquilando, gente conversando baixinho, casais com bebês. Um rosadíssimo guarda de uniforme surgiu por uma porta perto de onde eu estava e falou com voz possante uma série de frases sem legenda, fazendo no final um gesto de “sigam-me!”.
Segui-o, porque foi isto que outras pessoas em volta começaram a fazer, e pegamos novos corredores até uma sala menor, onde me deixei cair num assento plástico. E então notei algo muito estranho. Nesta nova sala, onde muitos assentos continuavam vazios, havia apenas cerca de vinte casais, conduzindo vinte bebês… e eu. Olhei em volta, confirmei. Alguns casais exibiam seu bebê uns aos outros, trocavam comentários. Percebi que tinha me metido num grupo diferente, que iria passar por outro filtro de imigração, sei lá o quê. Enganchei a mochila nas costas e retornei à sala anterior, onde o restante do grupo já era levado noutra direção.
Tempos depois, amigos me disseram: “São casais de americanos que vão aos países do 3o. Mundo para adotar bebês. Em geral, eles têm um filho e a criança precisa de um transplante. Eles viajam, adotam um bebê nativo, trazem-no, e o transplante é feito na moita, em clínicas particulares e secretas”. Uma lenda urbana, é claro. Mas, quando leio hoje as notícias sobre missionários que são apanhados no Haiti “adotando” crianças supostamente órfãs (até mesmo contra a vontade delas próprias) fico matutando. Por que será que a versão mais sinistra dos fatos nos parece tão plausível? Porque devemos sempre imaginar o pior, para que ele não nos pegue de surpresa? Ou porque algo nos diz que o pior não surpreende nunca, que neste nosso mundo ele acontece o tempo todo, ele é a norma?
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