sábado, 29 de maio de 2010

2085) Piadas comunistas (13.11.2009)



O humor é a melhor forma de resistência à opressão (às vezes, a única). A melhor época do humor brasileiro foi o período entre 1964 (o golpe militar) e 1985 (eleição de Tancredo Neves). Há diferentes razões para isso. O humor alivia a tensão de quem solta uma boa gargalhada. Ao mesmo tempo, desinfla e esvazia a pompa de quem quer parecer importante demais, poderoso demais. O humor é uma torção do discurso habitual, virando uma esquina imprevista: nada melhor, portanto, para revelar as contradições ou as falácias do discurso de alguém. O humor é basicamente cultura oral (com a devida vênia aos coleguinhas do humor gráfico), portanto nada melhor para sobreviver sem provas num ambiente repressivo, para se infiltrar por entre as junturas do sistema, para ser sussurrado “à sorrelfa, à socapa, à boca pequena” (como dizia Nilson) pelos becos e pelos botecos. Um dos aspectos mais arrepiantes e pessimistas de “1984” é a ausência de humor. As pessoas dali já estão num estágio tão avançado de repressão que desaprenderam a mangar dos tiranos.

Quem assistiu o ótimo filme alemão “A Vida dos Outros” deve lembrar a cena arrepiante em que um funcionário, num refeitório, conta uma piada satirizando o líder da Alemanha Oriental, e no meio da piada percebe que está sendo escutado (jovialmente, sorridentemente) pelo chefe da polícia política, que o encoraja a prosseguir. O cara conta de maneira chocha o fim da piada, e é rebaixado de função (vai ver que o chefe gostou da piada e o livrou do fuzilamento). Agora, estão emergindo os registros de espiões sobre piadas colhidas em cartas ou em telefonemas grampeados. A principal fonte são os arquivos de espionagem da Alemanha Ocidental, onde era recolhida qualquer informação que pudesse dar uma idéia do clima político do país comunista vizinho.

Há uma clássica, que já vi sendo aplicada a vários governos (inclusive o do PT): “O que aconteceria se o deserto do Saara se tornasse comunista? A princípio, nada, mas daí a pouco ia começar a faltar areia”. O desabastecimento e o racionamento são pesadelos do comunismo (e um pesadelo ainda maior para quem vive na superabundância de supérfluos do capitalismo, e teme ser rebaixado), por isso os alemães orientais afirmavam não descender do macaco, como o resto da Humanidade: “Um macaco não sobreviveria com uma cota de duas bananas por ano”.

A Stasi (polícia política) mantinha 91 mil funcionários e 189 mil informantes civis, vigiando a população dia e noite. Um artigo no Der Spiegel (http://tinyurl.com/yjdwgl2) comenta essa época. Para os alemães orientais, Chernobyl não passou de um programa do governo soviético para tentar submeter a população ao Raio-X. Outro alvo preferido do humor alemão era o Trabant, o precário automóvel que era o orgulho da indústria automobilística comunista. Dizia-se que o próximo modelo iria ser lançado com dois canos de escape em vez de um: “Assim ele pode ser usado como carrinho de mão”.

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